Admirável Parir Novo
escrito por: Clicia Weyne em terça-feira, novembro 14, 2006 às 4:22 PM.
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Outro dia, estava refletindo no número de vezes em que escuto as pessoas me dizerem: "Ah, isso (Parto Vaginal) é para as pacientes do SUS. Elas ficam na maior gritaria lá; é só os gritos. Nãh". Ou então: "Amamentação até dois anos é recomendado mesmo para as mulheres mais pobres, que não podem comprar leite em pó adequado e acabam alimentando mal seus filhos, se não derem de mamar. Para as mães da classe média, é melhor parar de dar mamar após os seis meses obrigatórios". Ou ainda: "É melhor você deixar de amamentar logo, já que quer fazer o mestrado, voltar a dormir a noite inteira...Vejo mães que deixam tudo para amamentar, mas não é o seu caso, você é uma pessoa que trabalha, está investindo no seu crescimento profissional".
Com todo o respeito a todos que já ouvi falar essas coisas - e algumas dessas pessoas eu respeito muito, inclusive como boas profissionais de saúde que são, mas...
Essas frases me lembravam algo desagradável. Não é apenas o tom elitista que me incomoda nesse tipo de formação discursiva; é também porque elas me lembram uma sociedade que já dividiu em castas a sua relação com a procriação, com a alimentação da cria. Me lembra o livro Admirável Mundo Novo, do Aldous Huxley.
No livro, uma sociedade extremamente dominada pelo tecnicismo, as mulheres das castas mais altas - alfa, se não me engano - não engravidavam, não pariam, não amamentavam. Tudo isso era vergonhoso para uma alfa e estava restrito às mulheres das castas mais baixas, cujos embriões eram manipulados desde cedo para serem menos desenvolvidos intelectualmente e mais propensos à gravidez. Mas, tampouco essas poderiam cuidar de seus filhos, que eram tomados pelo estado para serem desenvolvidos de acordo com princípios científicos que eram comprovadamente eficazes para formar indivíduos bem adaptados à sua posição na sociedade e que seriam felizes, independente da sua casta, que já era predeterminada antes de nascer.
Bom, ficção científica à parte, fico pensando que na nossa sociedade as características eminentemente femininas, que faziam justamente as mulheres serem adoradas em algumas culturas como deusas da fertilidade, como aquelas que davam a vida à humanidade, estão sendo desvalorizadas por um processo de emancipação da mulher que é muito semelhante às construções discursivas que identificavam a mulher como um ser unicamente natural, instintivo, sentimental e reprodutor, cujo espaço de atuação por excelência era o doméstico (um trabalho desvalorizado por não ser produtor de riquezas nem gerador de renda).
Da mesma forma, ao homem cabia a racionalização/ trabalho intelectual, atuação fora de casa e no espaço político, trabalho produtivo e gerador de riquezas.
Constituídos sistematicamente no século XIX, esses binômios que identificavam o homem com a cultura e a mulher, com a natureza, foram por muito tempo a justificativa da dominação masculina (pois a mulher estava incluída no projeto de dominação da natureza pelo Homem por ser "natural e institntivamente mãe" e "incapaz de resistir aos seus instintos").
Agora, tempos de emancipação da mulher, cobra-se delas a mesma postura masculina, o que acaba por negar a sua capacidade de gerar outra vida, sustentá-la no peito, ser inteira de outro ser durante algum tempo. O que vale, atualmente, é a capacidade da mulher de ser produtiva e geradora de riquezas. E apenas isso. Parece que, para a mulher pertencer a esse universo masculino do mundo do trabalho e encontrar o seu espaço de atuação fora do ambiente doméstico, ela teria que esquecer-se de todo um lado que foi hiperestimulado no século XIX e metade do século XX, mas, ao mesmo, tempo era desvalorizado - o incrível poder feminino que é ser mãe.
Que se deixe as horas de trabalho de parto para as mulheres que não têm escolha (e escolha, na sociedade capitalista, significa poder pagar por). Afinal, é mais prático marcar uma cesárea com muitos dias de antecedência, planejar a data de nascimento do filho de acordo com a numerologia, a conveniência da vinda da avó da criança, que mora em outro estado ou aquela reunião de trabalho superimportante.
Que se deixe as horas improdutivas que se perde amamentando para as mulheres do SUS. Afinal, elas não têm a opção de aquisição de outros alimentos e, provavelmente, não têm também todas as possibilidades de carreira das mulheres das camadas da elite.
E, assim, de formação discursiva em formação discursiva, podemos estar construindo uma nova sociedade, em que não se acredita mais na amamentação, nem no valor de fazer força para trazer um filho ao mundo. E um dia, talvez, nem no amor de mãe se acredite também.
Com todo o respeito a todos que já ouvi falar essas coisas - e algumas dessas pessoas eu respeito muito, inclusive como boas profissionais de saúde que são, mas...
Essas frases me lembravam algo desagradável. Não é apenas o tom elitista que me incomoda nesse tipo de formação discursiva; é também porque elas me lembram uma sociedade que já dividiu em castas a sua relação com a procriação, com a alimentação da cria. Me lembra o livro Admirável Mundo Novo, do Aldous Huxley.
No livro, uma sociedade extremamente dominada pelo tecnicismo, as mulheres das castas mais altas - alfa, se não me engano - não engravidavam, não pariam, não amamentavam. Tudo isso era vergonhoso para uma alfa e estava restrito às mulheres das castas mais baixas, cujos embriões eram manipulados desde cedo para serem menos desenvolvidos intelectualmente e mais propensos à gravidez. Mas, tampouco essas poderiam cuidar de seus filhos, que eram tomados pelo estado para serem desenvolvidos de acordo com princípios científicos que eram comprovadamente eficazes para formar indivíduos bem adaptados à sua posição na sociedade e que seriam felizes, independente da sua casta, que já era predeterminada antes de nascer.
Bom, ficção científica à parte, fico pensando que na nossa sociedade as características eminentemente femininas, que faziam justamente as mulheres serem adoradas em algumas culturas como deusas da fertilidade, como aquelas que davam a vida à humanidade, estão sendo desvalorizadas por um processo de emancipação da mulher que é muito semelhante às construções discursivas que identificavam a mulher como um ser unicamente natural, instintivo, sentimental e reprodutor, cujo espaço de atuação por excelência era o doméstico (um trabalho desvalorizado por não ser produtor de riquezas nem gerador de renda).
Da mesma forma, ao homem cabia a racionalização/ trabalho intelectual, atuação fora de casa e no espaço político, trabalho produtivo e gerador de riquezas.
Constituídos sistematicamente no século XIX, esses binômios que identificavam o homem com a cultura e a mulher, com a natureza, foram por muito tempo a justificativa da dominação masculina (pois a mulher estava incluída no projeto de dominação da natureza pelo Homem por ser "natural e institntivamente mãe" e "incapaz de resistir aos seus instintos").
Agora, tempos de emancipação da mulher, cobra-se delas a mesma postura masculina, o que acaba por negar a sua capacidade de gerar outra vida, sustentá-la no peito, ser inteira de outro ser durante algum tempo. O que vale, atualmente, é a capacidade da mulher de ser produtiva e geradora de riquezas. E apenas isso. Parece que, para a mulher pertencer a esse universo masculino do mundo do trabalho e encontrar o seu espaço de atuação fora do ambiente doméstico, ela teria que esquecer-se de todo um lado que foi hiperestimulado no século XIX e metade do século XX, mas, ao mesmo, tempo era desvalorizado - o incrível poder feminino que é ser mãe.
Que se deixe as horas de trabalho de parto para as mulheres que não têm escolha (e escolha, na sociedade capitalista, significa poder pagar por). Afinal, é mais prático marcar uma cesárea com muitos dias de antecedência, planejar a data de nascimento do filho de acordo com a numerologia, a conveniência da vinda da avó da criança, que mora em outro estado ou aquela reunião de trabalho superimportante.
Que se deixe as horas improdutivas que se perde amamentando para as mulheres do SUS. Afinal, elas não têm a opção de aquisição de outros alimentos e, provavelmente, não têm também todas as possibilidades de carreira das mulheres das camadas da elite.
E, assim, de formação discursiva em formação discursiva, podemos estar construindo uma nova sociedade, em que não se acredita mais na amamentação, nem no valor de fazer força para trazer um filho ao mundo. E um dia, talvez, nem no amor de mãe se acredite também.
snif...snif...snif...
a unica coisa que posso fazer depois de ler esse post é enxugar as lágrimas dos olhos e ...
CLAP!!!
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