Decepção pós-cesária


escrito por: Tricia em segunda-feira, fevereiro 06, 2006 às 10:41 AM.

Decepção pós-cesária
Fazer cesariana quando se sonha com o parto normal muitas vezes pode
ser sinônimo de frustração. Mas é bom saber que a medida pode salvar a
vida de seu bebê, e você não será uma mãe pior por causa disso



Vamos combinar que a maioria das mulheres sonha em ser mãe. Desde cedo
meninas brincam com suas bonecas e até já vão treinando o barrigão com
a ajuda de um travesseiro, é ou não é? Quando a idade avança e começam
a pensar em gravidez, esse sonho vem acompanhado do desejo de uma
gestação tranqüila, claro. E, se imaginam o nascimento, muitas
idealizam o parto normal, como o de suas mães e avós em sua maioria.
Mas será que tudo vai correr como o sonhado? Não dá para saber, só
vivendo para conferir, óbvio. O importante é não pirar e achar que,
caso seus planos não sejam seguidos à risca, será o fim do mundo. Não
é. Se precisar fazer uma cesária, por exemplo, e não era assim que
gostaria de ter seu bebê, entenda que você não será uma fracassada,
muito menos uma mãe pior por causa disso. Por outro lado, é bom se
preparar para não realizar uma operação desnecessária.

Para muitas mulheres que desejam o parto normal, mas acabam submetidas
à cesariana, sobram a frustração e a sensação de fracasso, como se não
tivessem sido capazes. A secretária Jussara Furedi Costa, mãe de
Thalita, se programou para o parto normal. Com 37 semanas e meia de
gestação, iniciaram-se as contrações. De madrugada, o obstetra a
orientou para estar cedo na maternidade. Com apenas dois centímetros
de dilatação, tomou soro por uma hora (com ocitocina, para estimular
as contrações). Como não evoluiu, a enfermagem iniciou a raspagem dos
pêlos. Ao questionar os procedimentos, Jussara ouviu que a orientação
era do obstetra, dada pelo telefone. "Quando ele chegou, disse que o
meu caso não tinha jeito e seria necessária uma cesariana." Em dez
minutos estava no Centro Cirúrgico. "Fiquei chateada e frustrada e
ainda hoje não me convenci de que foi necessária", conta.

Para a psicóloga e doula (profissional que acompanha as mães da
gestação ao parto) Denise Bueno, a mulher precisa "fazer um curativo"
na ferida aberta pela cesariana e, por isso, procura um culpado pelo
sonho não realizado, muitas vezes sendo injusta com ela própria. "Como
durante nove meses ela foi 100% responsável pelo desenvolvimento da
gestação, nada mais lógico para ela do que se considerar a grande
culpada, esquecendo-se até da parcela de responsabilidade do médico",
constata. A psicóloga diz que muitas mães costumam achar que falharam
e que não foram capazes. E reforça: "O parto normal não é atestado de
que uma mulher é mais mãe do que outra que teve seu bebê por meio de
uma cesária", diz Denise.

A recomendação é que as grávidas busquem informações sobre a gestação,
os procedimentos do obstetra e como se preparar para o nascimento do
bebê. Por meio de conversas com outras mães, revistas, Internet e
cursos de preparação para o parto, as gestantes poderão escolher um
profissional de saúde que gere confiança e a segurança de que tudo
será feito de acordo com o desejo delas. "Existe um pouco de
conveniência por parte de alguns médicos que 'resolvem' o parto, de
modo que não interfira em sua agenda no consultório, nas férias ou até
num compromisso social. Eles 'sugerem' uma cesária com a alegação de
fatores de risco, e que, devido à fragilidade emocional da mãe no
momento, são aceitos sem argumentos", conta a psicóloga.

Somos os vice-campeões

A cesária muitas vezes é a única solução para salvar a vida do bebê, e
aí é fundamental que aconteça, mas é verdade também que há certas
ocasiões em que é realizada sem necessidade, porque é mais conveniente
para o médico ou porque a própria gestante está com medo da dor. Para
se ter uma idéia, segundo o Ministério da Saúde, o Brasil é o segundo
país recordista em cesarianas. Só perde para o Chile. Cerca de 40% das
mulheres em todo o país têm filhos por cesárias, e o índice aumenta
anualmente. Nos hospitais particulares chega a 90%. "Hoje, para se ter
parto normal, é uma verdadeira batalha", afirma a jornalista Joanna
Savaglia, mãe de Rodrigo e Marina, autora de um documentário (em fase
de produção) sobre as vantagens do parto humanizado conforme as
recomendações da Organização Mundial da Saúde. Ela acredita que é
preciso correr atrás de informações. "A mulher tem de tomar o poder do
parto dela", diz. E é aí que entra a sua responsabilidade. Se você
desde o início espera um parto normal, é legal que encontre um médico
que pense da mesma forma, por isso converse com amigas que fizeram
partos normais e procure indicações.

DICAS PARA O PARTO NORMAL

- Procure obstetras que incentivam o parto normal. Converse com amigas
que realizaram esse parto e busque indicações. Faça uma primeira
consulta até chegar a um profissional que lhe dê segurança.

- Conheça grupos que defendem o parto natural: www.amigasdoparto.com.br,
www.rehuna.org.br, www.redesaude.org.br e www.mulheres.org.br, por
exemplo.

- Busque entender os caminhos que levam ao parto normal. Leia, converse
com pessoas, pesquise. Isso vai te ajudar a saber mais sobre o
desenvolvimento da gestação e as diversas fases que antecedem o
trabalho de parto.

- Informe-se sobre o trabalho das doulas, acompanhantes de parto que se
preocupam exclusivamente com a mãe. Não são obstetras ou enfermeiras.
O papel delas é dar suporte físico, emocional e afetivo. A relação se
inicia durante a gestação. No trabalho de parto, ela irá orientar
sobre as melhores posições, irá acalmá-la, fazer massagens, explicar o
que está acontecendo e dar segurança ao casal. Mais informações no
site www.doulas.org.br

- Escolha um curso preparatório que ofereça informações sobre as fases
do trabalho de parto, o que esperar, a dor do parto, dicas de
respiração, entre outras coisas.


Com hora marcada

Outro fator que influencia o alto número de cesárias no Brasil é a
condição socioeconômica da mulher hoje, que enfrenta um dia-a-dia
muito mais atribulado do que o das mães e avós no passado. "Muitas
vezes a própria mulher acha que uma cesária é mais compatível com o
ritmo de vida dela, porque o parto é mais rápido e ela pode se
programar", afirma o obstetra e ginecologista Pedro Augusto Marcondes
de Almeida, livre-docente em Clínica Obstétrica pela Escola Paulista
de Medicina de São Paulo, pai de Maria Silvia e Ana Maria. "As
brasileiras não aceitam ficar 24, 36 horas em trabalho de parto", diz.
Mas assume que na maioria das vezes o médico é o principal inimigo do
parto normal. "Para ele, é mais fácil organizar a agenda, já que não
terá de esperar por muitas horas e poderá fazer vários partos no mesmo
dia", completa.

O número de mulheres que optam pela "cesariana eletiva", isto é, com
dia e hora marcados, é cada vez maior. A publicitária Maria Luiza
Marques, mãe de Áurea, decidiu programar o nascimento da filha no
quinto mês de gestação. Como enfrenta dificuldade para conseguir
férias com o marido, planejou a cesária para o pai poder compartilhar
o primeiro mês de vida da filha. E não se arrepende. "Não consigo me
imaginar em trabalho de parto, sofrendo, com dor", admite. "Os tempos
mudaram e precisamos encarar isso. Por que não usufruirmos dos avanços
da medicina?", questiona. "Quem opta por uma cesária eletiva joga com
a sorte", diz a psicóloga Denise Bueno. Nesse caso deu certo.

Porém, a obstetra Simone Grilo Diniz, pesquisadora e professora da
Faculdade de Saúde Pública da USP, mãe de Beatriz e Davi, faz um
alerta: "O número excessivo de cesarianas é um dos principais
responsáveis por não caírem os índices de morte materna e neonatal".
Segundo ela, a cesária feita antes do tempo provoca chances maiores de
a criança nascer com baixo peso e de sofrer problemas respiratórios.
"No trabalho de parto ocorre um bombardeio de hormônios, fundamental
ao amadurecimento final do bebê", explica.

Rebeca Kupfer, mãe de Samuel, Sílvia e Simone, sabe bem o que é isso e
talvez tenha vivido essa situação. Com 38 meses de gestação, ela foi
para a maternidade porque sentia muitas contrações. Tomou soro, mas a
dilatação não evoluiu. Sem resultado, o ginecologista optou pela
cesariana, em vez de mandá-la de volta para casa. Uma hora após o
parto de Samuel, ele foi encaminhado à UTI com grave problema
respiratório. "Eu me senti culpada por ter ido cedo à maternidade, mas
eu estava muito ansiosa, não tinha condições de avaliar", diz Rebeca.
"Nunca vou saber se precisava mesmo fazer essa cesária, porque
faltavam ainda duas semanas para a data prevista, e ao mesmo tempo
vejo que, das 11 crianças que nasceram na minha família nos últimos
dez anos, apenas uma foi de parto normal", diz.


Despreparados

Além da comodidade médica e da própria gestante, segundo
especialistas, o alto índice de cesárias no Brasil acontece também
pela falta de preparo dos próprios médicos. O ensino hoje na maioria
das faculdades de Medicina é ruim, e os estudantes aprendem que
realizar uma cesária pode ser mais simples, rápido e fácil. "Se
ocorrer um imprevisto durante um trabalho de parto normal e o médico
não souber conduzir, as complicações podem ser muito maiores, por isso
eles têm medo", explica o obstetra Pedro Augusto.

A estrutura dos hospitais também favorece os partos cesarianos. Ao dar
entrada em uma maternidade já em trabalho de parto, a mulher é
submetida a monitoramentos que muitas vezes podem dificultar a
evolução das contrações, como a própria opção de ficar deitada
imobilizada com as pernas para o alto e o uso de soro. "Os
procedimentos são iguais para todas as gestantes, e as intervenções
podem atrapalhar o andamento normal do parto", diz a obstetra Simone
Diniz. A falta de informação colabora. "A mãe é orientada para ir ao
hospital logo que se iniciam as contrações mais ritmadas, porém muitas
vezes é apenas o útero treinando, só que, como já está internada,
acaba submetida à cesariana", diz Dra. Simone.

A advogada Beatriz B. Mendonça, mãe de Felipe e Tiago, enfrentou maus
momentos ao insistir no parto normal. Depois de ter o primeiro filho
por cesariana, ela decidiu que tentaria o parto normal na segunda
gestação. Foi para a maternidade com dor e bastante contração. Ficou a
tarde deitada. Às 19 horas, reclamando de dor, ouviu da enfermeira,
num tom bastante irônico: "Ué, mas você não queria o parto normal?".
Acabou submetida a uma segunda cesariana. "Não acho que recebi o
tratamento adequado e, por isso, recomendo que quem quiser o parto
normal se informe muito sobre o médico e o hospital, porque parece que
eles não gostam muito e jogam contra", diz a advogada.

E quando existe a suspeita, ou mesmo já se sabe antes, de alguma
complicação com a mãe e o bebê? O obstetra Pedro Augusto afirma
categórico: "Não se pode condenar a cesariana como se fosse sempre
desnecessária". Hoje em dia existe uma cautela maior, e o índice antes
aceitável de 7% de cesárias na realidade é bem mais alto. Para ele, as
mulheres correm menos riscos se houver algo fora do normal. E relata
um caso típico: "Quando já se sabe que o bebê terá mais do que 4
quilos, hoje se decide pela cesariana, para evitar as conseqüências de
um períneo rompido, ou mesmo de um problema de incontinência urinária
ou de queda de bexiga no momento em que a mulher estiver mais velha",
conta.


O QUE PODE LEVAR À CESÁRIA:

Eclâmpsia: pressão alta da mãe durante a gravidez.

Cordão umbilical: quando aparece antes do bebê ou se está enrolado no
pescoço dele.(não justificado)

Doenças: mãe com diabetes, pressão alta, herpes genital, HIV positivo.

Placenta prévia: a placenta se localiza sobre o colo do útero.

Bebê pélvico: quando ele está de cabeça para cima no útero.

Situação transversa: o bebê não está nem sentado, nem de cabeça para baixo.

Bebê com a cabeça para cima: com risco de sofrer no parto vaginal.

Parada de progressão: quando o parto não evolui.

Sofrimento fetal: se o bebê está sofrendo no trabalho de parto.

Placenta: caso haja ruptura ou separação da parede do útero no
trabalho de parto.

Outros partos: quando a mulher já passou por duas ou mais cesárias.(relativo)

Desproporção céfalo-pélvica: a cabeça do bebê não passa pela bacia



Sem vilões

A pediatra Ana Beatriz Dias, mãe de Nicolau e grávida de seis meses de
Sofia, teve uma gestação tranqüila e se preparou para o parto normal.
Apesar das fortes contrações, o bebê estava muito alto na barriga. Em
trabalho de parto por muitas horas, ele começou a apresentar indícios
de sofrimento fetal, com batimentos cardíacos muito irregulares. Foi
quando a médica decidiu por uma cesariana de emergência. "Meu filho
nasceu molinho, quase não reagia, demorou um tempo para voltar ao
normal", relata. Mesmo frustrada por não ter feito o parto normal, Ana
Beatriz tem a certeza de que a obstetra optou pelo melhor caminho. "A
cesariana salvou a vida de meu filho", comemora emocionada.


Ao se deparar com uma cesária inesperada, o sentimento de que o ciclo
de gestação e do nascimento do bebê não foi completo vem muito forte.
Mas bola pra frente, afinal a maternidade está apenas iniciando. O
importante é que o bebê está ali, nos braços da mãe, e que mais do que
nunca precisa de carinho e afeto. A psicóloga Denise Bueno aproveita
para dar uma dica: "O ato de amamentar ajuda a superar esse
sofrimento".


A HISTÓRIA DA CESÁRIA

Michel Odent, obstetra francês, responsável pela introdução de quartos
e piscinas de parto em hospitais públicos na França, escreve em seu
livro, A Cesariana, que os avanços tecnológicos do século 20 tornaram
possível o sonho humano presente em lendas, mitos, poemas e narrativas
de a cesária se tornar uma forma comum de dar à luz. Segundo Odent, na
mitologia grega, Asclépio (ou Eusculápio, para os romanos), o deus da
medicina, nasceu quando Apolo, seu pai, cortou o abdômen da amada
ninfa Coronis, depois de ela ter sido executada por infidelidade. No
século 8 a.C., o governante romano Numa Pompilius fez uma lei exigindo
que todas as mulheres mortas em trabalho de parto deveriam ter o bebê
retirado, mesmo sem vida. A lei, que vigorou durante todos os reinados
dos imperadores romanos, ficou conhecida como Lex Caesarea, do verbo
latino caesere, ou seja, cortar, provável raiz do termo. A versão de
que o nome cesariana teria sido originado com o nascimento do
imperador Júlio César, retirado da barriga de sua mãe Aurélia, é hoje
considerada inconsistente pelos historiadores, já que sua mãe viveu
por muitos anos após dar à luz. O primeiro registro de cesariana em
mulheres vivas em um tratado médico é de 1500, na Suíça. Um castrador
de porcos, Jacques Nufer, teria feito a primeira operação na própria
esposa, sobrevivendo a mãe e o bebê. Ele se ofereceu para tentar uma
cesariana na mulher, que sofria em trabalho de parto, apesar da ajuda
de 13 parteiras e alguns litotomistas (cirurgiões que extraíam pedra
da bexiga). Conta o tratado que com uma faca, num único golpe, ele
liberou o bebê vivo e intacto da barriga da esposa. Costurou então o
útero da mulher, que se recuperou bem.

FONTE: Revista Pais e Filhos (abril/2006)

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Ciclo da Vida


escrito por: Tricia em às 10:38 AM.

:: Jornal Diário do Nordeste ::
CADERNO VIVA 10 ANOS (2/4/2006)

O começo e o fim da vida. Por que e como humanizar estes momentos decisivos de nossa existência.

São acontecimentos naturais envoltos em mistérios e incertezas. Um festeja a vinda de um novo ser ao mundo. O outro, a partida, a finitude. Por mais difícil que seja aceitar a realidade, o fato cronológico de começo e fim da vida possui muitos pontos de interseção.

Humanizar estes dois momentos de nossa existência, oferecendo conforto e respeito ao semelhante, é um conceito cada vez mais aceito pelas corporações médicas e de enfermagem ao redor do mundo, conforme preconiza a Organização Mundial de Saúde (OMS).

No Brasil, a despeito da morosidade com que são tratadas as questões relativas à saúde, tem-se observado sensíveis mudanças ao longo dos últimos 10 anos, com a criação de grupos atuantes e que gradativamente estão mudando o perfil da relação médico-paciente (e família): a Rede pela Humização do Parto e do Nascimento (ReHuNa) e a Rede Nacional de Tanatologia (RNT), ambas com fortes laços com o Ceará. A primeira, criada em 1993, em Campinas (SP), foi espelhada em parte no programa de humanização da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), enquanto a segunda, fundada em 1996, tem o psicólogo cearense Aroldo Escudeiro como um de seus apoiadores.

Para iniciar a série de reportagens que marca os 10 anos do Viva, a escolha do tema - humanização - espelha o foco que permeia todas as matérias abordadas pelo caderno. Afinal, humanizar é muito mais do que tratar o outro educadamente. É envolver-se com as pessoas, para melhor entender seus medos, suas alegrias, ansiedades. É solidarizar-se, amar o próximo.

Meninas-mães

O rosto, os sonhos e os gestos são de menina, o corpo em transformação tenta convencer que a infância chegou ao fim. É assim o retrato das “meninas-mães”, adolescentes grávidas que, cada vez mais, engrossam as estatísticas no Brasil. Os dados da Fundação Getúlio Vargas confirmam um aumento no número de partos em meninas de até 14 anos. Entre 1998 e 2002, foram realizados 27 mil partos por ano em meninas-mães, só nas maternidades que integram o Sistema Único de Saúde (SUS).

Marta da Silva Monteiro faz parte dessas estatísticas. Com 15 anos, ela deu à luz ao seu primeiro filho, Maikel, e, aos 17 anos, veio Mikaele. Hoje, aos 19 anos, ela reconhece que teve que amadurecer mais cedo para assumir o papel de mãe. “Se eu pudesse voltar no tempo, teria concluído os estudos, vivido mais e aproveitado minha juventude”.

De acordo com a ginecologista do Serviço para Adolescentes da Meac, Valéria de Oliveira, a infância está sendo encurtada e tanto a menarca quanto a primeira gravidez estão mais precoces. “É como se o ciclo da vida se encurtasse”, já que a iniciação sexual também acontece muito cedo.

Valéria explica que há 20 anos a gravidez na adolescência era considerada de alto risco porque se acreditava que o corpo não estava preparado. No entanto, hoje, a médica afirma que o parto é considerado normal se a adolescente não apresentar problemas de saúde (hipertensão, diabetes, etc). “A natureza é tão maravilhosa que faz com que o corpo se ajuste a esse novo estágio”, afirma. O maior dano é o social porque muitos adolescentes param de estudar para serem pais.

HIPERTENSÃO - Mesmo assim, a cardiologista da Meac Regina Coeli alerta para o alto índice de mortalidade materna em adolescentes gerado por pressão arterial elevada. Em sua pesquisa de mestrado, a médica constatou que é imprescindível a Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (Mapa) dessas jovens durante o pré-natal. Segundo Regina Coeli, o exame é fundamental para identificar quem tem propensão a desenvolver o problema e, assim, tomar as medidas preventivas. “Tem muita mulher de 16 anos morrendo e ninguém fala nada”, revela.

A hipertensão arterial é um complicador - em todas as faixas etárias - uma vez que pode causar pré-eclampsia e eclampsia, problemas que podem colocar a vida da gestante em risco. Na adolescência, a hipertensão é muito recorrente devido, principalmente, a alimentação inadequada e ao sobrepeso comuns nos jovens de hoje. A incidência é maior na primeira gestação.

A Maternidade Escola Assis Chateaubriand oferece um serviço específico voltado para as mulheres na adolescência, onde uma equipe formada por médicos, psicólogos e assistentes sociais, realiza um programa educativo e preventivo sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e gravidez.

Pelo natural

Quando lhes é dado o direito de escolha, muitas mulheres ainda escolhem o parto cesáreo. A desinformação, o medo de sentir dores e a indicação “conveniente” de médicos são os principais fatores para essa decisão. Assegurar a saúde da mãe e do bebê sempre será o fator determinante para a escolha do tipo de parto.

O parto normal é natural e deve ser visto pelos médicos e futuras mães como primeira opção. A cesariana só se torna um procedimento seguro quando a mãe e o bebê estão sujeitos a algum tipo de risco, uma vez que a cirurgia pode representar de sete a vinte vezes mais chances de evoluir para infeções e problemas correlatos. Apesar das inúmeras campanhas de esclarecimento realizadas nos últimos anos, pesquisas recentes indicam que as brasileiras ainda acreditam que o parto normal é que oferece maiores riscos.

SEGURANÇA - Raquel Freitas Caminha, 22 anos, é hoje uma defensora do parto normal, mas nem sempre foi assim. Quando ainda estava grávida de sua primeira filha Yasmim, o plano era fazer uma cesariana. “Era para eu ter feito a cirurgia, mas, no dia, mudou tudo. Pude ter uma amiga me acompanhando durante todo o trabalho de parto e foi tudo muito tranqüilo”. Raquel teve uma gestação normal, sem nenhuma complicação e quando chegou ao hospital já estava com seis centímetros de dilatação. Como não sentia muitas dores e estava acompanhada, resolveu mudar os planos.

O medo era de passar muito tempo sentindo dores. Mas ela conta que o parto foi rápido porque ficou caminhando e tomou banho morno, procedimentos que ajudaram a acelerar o trabalho de parto. “Só tive normal porque estava com minha amiga o tempo todo me dando força, pegando na minha mão, conversando comigo. Se ela não tivesse lá, não teria conseguido sozinha”. Após o parto, tudo transcorreu de forma muito calma. Uma hora depois, Raquel já estava sentada - e sem muitas dores - amamentando Yasmim.

OUTRA OPÇÃO - A professora Karinne Nogueira da Costa, 27 anos, há quatro meses deu à luz a seu primeiro filho. Como Raquel, também já estava decidida a fazer o parto cesáreo. “Eu nem cogitei a possibilidade de ter um parto normal. Com toda a tecnologia de hoje não é preciso sentir tantas dores”, defende. Karine não se arrepende da escolha. A decisão foi feita de forma muito segura porque os médicos eram conhecidos e a irmã foi autorizada para acompanhar todo o parto.

Num momento muito importante, em que o medo e ansiedade estão fortemente presentes, elas surgem para oferecer uma mão amiga, uma massagem relaxante ou simplesmente um olhar amoroso. As doulas são como anjos ou mães que acolhem e auxiliam as gestantes na sala de parto. Na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, as antigas parteiras que faziam parte do quadro da Meac e se aposentaram foram resgatadas para exercerem o papel de doulas.

Iracema Lopes da Silva, 72 anos, trabalhou como parteira por 33 anos e confessa que desde criança sonhava com essa profissão. “Queria muito ser parteira porque vi minha mãe morrer de parto quando eu tinha oito anos. Prometi que ninguém iria morrer de parto nas minhas mãos”, conta. Segundo ela, o papel da doula é muito importante porque as mulheres chegam à sala de parto sem nenhum conhecimento (muitas são adolescentes), nervosas e “somos nós que oferecemos apoio psicológico e afetivo”.

A larga experiência como parteiras e mães garantem a essas mulheres um grande respeito por parte dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiras). No entanto, as doulas passam por treinamentos e cursos periódicos sobre como tratar as mães. A enfermeira obstetra, Ruth Teixeira, reconhece o trabalho das doulas. “Elas assumem o papel de mães. Às vezes você não precisa falar nada. Um toque, um olhar é o que as pacientes estão precisando”, explica.

De acordo com a doula Maria José Simões, 67 anos, muitas adolescentes chegam sozinhas e com medo. “Muitas delas falam: eu quero a minha mãe. Eu digo: pronto, a mamãe chegou”. Ela reconhece que assume o papel de mãe dessas gestantes, dando muito carinho, contando histórias engraçadas para distraí-las, fazem massagens nas costas, levando-as ao banheiro para um banho relaxante, acompanham nas caminhadas pelos corredores do hospital, além de incentivarem a realização de exercícios (no cavalinho ou na bola).

“Adoro ajudar. Todos os dias reservo duas horas para este trabalho com as meninas”, orgulha-se Maria José. O reconhecimento sempre vem depois. As “mãezinhas”, como ela costuma chamar, ficam muito gratas e não esquecem da força a mais que receberam. Segundo Maria José, uma mãe chegou, no Natal passado, com a filha de seis meses que a experiente doula ajudou a botar no mundo. “Fiquei emocionada com o presente. E olha que eu já estou acostumada a ver muita criança nascer”, conta entre risos.

Tempo de delicadeza

Resgatam-se antigas práticas e privilegiam os pais como protagonistas em detrimento da sofisticação e dos recursos tecnológicos. A sutileza e delicadeza de um olhar carinhoso, um toque e uma palavra amiga se tornaram tão importantes quanto a técnica apurada.

Em 2005, o Ministério da Saúde alterou a Lei nº 8.080, de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do SUS. A lei, além de contribuir para a humanização, também pode ajudar na redução do número de cesarianas que, no Brasil, está entre os mais elevados do mundo. Em 2004, as taxas de parto cesáreo do setor de saúde suplementar, segundo o MS, era cerca de 80%; 27% no SUS. Na Europa a média é de 16%.

A enfermeira obstetra Ruth Teixeira, trabalha há 12 anos nas salas de parto da Meac e viu nascer o projeto de humanização. Ela conta que a enfermeira Isolda Silveira iniciou o projeto em 1992 colocando músicas suaves e relaxantes na sala de parto e a estimular as mulheres a andar e sentar. Mas foi em 1996 que foi lançado o Projeto Luz - uma parceria entre a Secretaria de Saúde do Estado, Ministério da Saúde e a agência japonesa Jica - com o objetivo de melhorar as condições do atendimento materno. “Tentamos intensificar a mudança de posições, principalmente as verticalizadas, como a sentada e em pé porque ajudam a dilatar mais rápido e melhorar a circulação”.

Depois passaram a oferecer cursos de especialização em enfermagem obstétrica para as enfermeiras que fizeram partos, cursos e treinamentos até no Japão. “O próximo passo foi dar maior privacidade para as mães, colocando cortinas entre os leitos. Antes uma ficava de frente para a outra”, lembra Ruth. Foram inseridos novos equipamentos, como bancos especiais, o “cavalinho” e a bola, para que as parturientes diminuam o tempo antes do parto.

Há seis anos, a diretoria da Maternidade convidou todas as antigas parteiras aposentadas que trabalhavam na Meac para voltar às salas de parto. Elas passaram a ajudar as mães prestando apoio emocional, essencial em momentos como este. Essas senhoras assumiram o papel de doulas - que em grego significa “mulher que serve outra mulher”- e com suas experiências de parteiras e mães auxiliam as parturientes, acompanham, seguram a mão, fazem massagens e modificam, com pequenos gestos, o clima e o ambiente do parto. Depois que o bebê nasce, ele é colocado imediatamente em contato com a mãe. O primeiro contato dura cerca de 30 minutos, quando o recém-nascido é colocado próximo ao seio. “É muito emocionante quando a gente coloca o bebê em cima das mãezinhas. Parece que tudo passa. Aí já começa uma relação muito forte entre eles”, completa a enfermeira.

Outra mudança em curso é no sentido de conscientizar as mães - e os próprios médicos - para que o parto normal seja a primeira opção. Indicado por ser o modo menos invasivo e mais natural tanto para a mulher quanto para a criança, o parto normal só não deve ser realizado quando existe risco para o bebê e para a mãe. A mulher é preparada fisicamente e psicologicamente para aquele momento, além de acontecer no instante exato em que ambos estão prontos para o grande momento. Para o bebê, o ato de ser expelido de forma natural proporciona uma massagem e limpeza dos órgãos internos.

Ruth explica que com o parto normal a mulher retoma o papel principal no milagre da vida. “Perdemos muito a autonomia e o poder do nosso corpo. Parece que agora as instituições e os profissionais é que têm esse poder. A própria mulher é quem melhor sabe o poder e força que tem”, reflete.

Outra forma de incentivar o parto natural foi a criação, por lei, dos Centros de Parto Normal, 1999, unidades de saúde que prestam atendimento humanizado e de qualidade.

Serviços

Pré-Parto
- Ambulatório e pré-natal: As futuras mães são acompanhadas por uma equipe de médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos, durante todo o pré-natal. A Meac disponibiliza exames, como o HIV, sífilis, ultrassom e consultas médicas.
- Para adolescentes: O atendimento acontece para jovens grávidas ou não. São realizadas palestras educativas sobre prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis. A adolescente grávida é acompanhada durante todo o pré-natal.
- Planejamento familiar: O programa esclarece as mulheres sobre os métodos contraceptivos.

Parto
- Humanização: Várias condutas são aplicadas para confortar a mãe na hora do parto. Massagens, a presença das doulas, liberdade para caminhar, sentar e ficar no cavalinho ou na bola. Todos os procedimentos priorizam a afetividade, o toque e a conversa, onde a mãe é a protagonista do parto.

Pós-parto
- As mães-adolescentes são orientadas sobre os cuidados com os bebês, sendo incentivadas para o aleitamento materno e encaminhadas para o serviço de planejamento familiar. Além disso, continuam participando de palestras sobre DSTs e prevenção da gravidez.
- Mãe-canguru: O projeto voltado para mães de bebês prematuros oriundos da UTI neo-natal coloca o corpo da mulher como uma incubadora humana. É estimulado o vínculo afetivo entre mãe e filho, incentiva a amamentação, auxiliando a mulher a restabelecer a produção de leite.
- Banco de leite: O serviço colhe e armazena leite materno para os bebês cujas mães não possuem leite suficiente. Também são realizadas campanhas periódicas.

O pai na hora do parto

Há algum tempo o papel do pai se restringia a esperar do lado de fora a mulher dar a luz e, depois, comemorar o nascimento do rebento. No entanto, a tendência hoje é tornar os pais protagonistas desse processo. Com a determinação do Ministério da Saúde de que a parturiente tem o direito assegurado por lei de um acompanhante, alguns pais estão tendo a oportunidade de estar mais presentes desde o início da vida dos filhos.

O produtor musical Cristiano Costa Maia acompanhou sua esposa Elizângela Marques de Castro desde o pré-natal. Grávidos do primeiro filho, os dois decidiram e planejaram toda a gravidez juntos. “Acompanhei todos os exames, ia nas consultas do pré-natal, ajudei a escolher as coisas do bebê e pesquisei os melhores métodos”, conta Cristiano.

Durante o trabalho de parto, Elizângela contou com o apoio e a presença do esposo. “Estava muito nervosa, mas me acalmava quando abria os olhos e via Cristiano ao meu lado”, confessa. O esposo a levou para o cavalinho, segurou a sua mão e lhe deu segurança. Mas para que eles conseguissem ter esse momento juntos não foi nada fácil.

Cristiano conta que teve que argumentar muito com a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) para conseguir assistir o parto da esposa. Ele disse que se não soubesse de todos os seus direitos, provavelmente, não teria conseguido. Isso acontece porque a lei concede um período para os hospitais se adaptarem e a Meac está em reforma para garantir a privacidade da paciente e a presença masculina durante o parto.

“Apesar disso, contei com a boa vontade do corpo médico. O atendimento foi muito bom. Além do esperado”, ressalta Cristiano. Com o nascimento da filha Luisa, o produtor musical tirou férias e fica em casa cuidando da pequena. Elizângela disse que o pai já troca fralda, fica acordado à noite com ela e está aprendendo a dar banho. “É maravilhoso o homem acompanhar a esposa desde o pré-natal”, orgulha-se.

FONTE: Jornal Diário do Nordeste (02 de abril de 2006)

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Tricia Cavalcante: Doula na Tradição, formada pela ONG Cais do Parto, mãe de três, e doula pós-parto.Moro em Fortaleza-CE.


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