O parto vaginal após cesárea é arriscado?*
escrito por: Tricia em quarta-feira, novembro 08, 2006 às 11:52 AM.
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Henci Goer
“Há riscos em partos naturais após cesáreas” Jornal New York Times
“Estudo: Parto é arriscado após cesárea.” Associated Press
Pelos títulos acima e os artigos que os seguem, os leitores pensariam que um novo estudo publicado no prestigiado “New England Journal of Medicine” mostrou que cesáreas repetidas planejadas são mais seguras que um parto vaginal após cesárea. Entretanto, o estudo não concluiu nada deste gênero. Desviado pelas declarações do Dr. Michael Greene, um editor associado do “New England Journal” cujo editorial acompanhou as reportagens de jornal TV e rádio, apresentou na verdade um outro adicional na campanha de “desinformação” para eliminar o parto vaginal após cesárea. Antes de chegar ao porquê os obstetras querem desacreditar o parto vaginal após cesárea, vamos primeiro ver o que o estudo realmente disse.
O que o estudo realmente disse?
A Reuters Medical News foi talvez o único noticiário a disponibilizá-lo de maneira correta. Eles divulgaram seu artigo com o título: “Trabalho de parto induzido por Prostaglandinas ligado a alto risco de ruptura uterina após uma cesárea”. Os pesquisadores verificaram isto comparando a taxa na qual a cicatriz uterina se rompeu em cerca de 20.000 mulheres em Washington que tiveram seu segundo filho após ter o primeiro por uma cesárea. Eles descobriram que as chances eram de:
· 1 em 625 com uma cesárea repetida programada;
· 1 em 192 com o trabalho de parto iniciado naturalmente;
· 1 in 130 com uma indução do trabalho de parto, mas sem usar prostaglandinas para afinar o colo do útero antes;
· 1 em 41 com induções de trabalho de parto que incluíam prostaglandinas.
Apesar de potencialmente séria, a ruptura da cicatriz, entretanto, não é a questão crucial para se determinar a segurança de um parto vaginal após cesárea, mas sim o que acontece com a mãe e o bebê como resultado. Mesmo quando a ruptura uterina ocorreu, apenas um terço das mulheres tiveram complicações cirúrgicas durante a cesárea de emergência que geralmente aconteceu depois. Quanto á danos irreparáveis, para uma mulher que iniciou seu trabalho de parto espontaneamente, a chance de terminar com uma histerectomia era de 1 em 5.000 e a de perder o bebê era de 1 em 3.300. Para as mulheres que foram induzidas sem o uso de prostaglandinas, as chances aumentaram ligeiramente, mas quando a indução do parto incluía prostaglandinas, elas aumentaram muito de 1 em 900 para uma histerectomia e de 1 em 770 para morte do bebê.
De fato, este estudo nada teve a dizer sobre o mérito das cesáreas planejadas em relação ao parto vaginal após cesárea, porque só considerou a ruptura uterina. E apesar de as mulheres que optam pelo parto vaginal após cesárea terem mais riscos de ter esta ruptura, uma cesárea inclui um rol de outras complicações que ocorrem com muito menos freqüência num parto vaginal. Para avaliar qual é melhor, você deve comparar os resultados entre as mulheres que tiverem uma cesárea repetida programada e as mulheres que tiverem parto vaginal após cesárea. Estes estudos existem. Entre trinta estudos que trataram de 56.300 partos vaginais após cesáreas, a taxa de natimortos e morte de recém nascidos atribuíveis à ruptura uterina foi de 1 em 3.300, o mesmo que o das mulheres de Washington que tiverem um parto espontâneo. Estas chances não foram significativamente diferentes da taxa de mortalidade perinatal em 29.900 mulheres que tiveram cesáreas planejadas. Em outras palavras, o parto vaginal após cesárea não é mais arriscado para os bebês que as cesáreas planejadas.
Contrastando com estes, de acordo com um estudo suíço de 29.000 mulheres com cesáreas anteriores, as mulheres que tiveram cesáreas planejadas para um parto subseqüente tinham três vezes mais chances de ter histerectomias do que as mulheres planejando partos vaginais após cesárea: 1 em 220 contra 1 em 625. Além disso, cada vez que uma mulher elege uma cesárea ao invés do parto vaginal após cesárea, ela joga dados que pesam mais contra ela, especialmente se ela planeja ter mais filhos.
Estudos mostram que o acúmulo de cesáreas aumenta o risco de:
· infertilidade
· dor crônica e problemas intestinais
· implantação do embrião fora do útero (gravidez ectópica)
· placenta recobrindo o colo do útero (placenta previa)
· placenta descolando antes do parto (descolamento da placenta)
· placenta crescendo dentro ou através da parede muscular do útero (placenta accreta ou percreta).
As três últimas representam risco de morte; particularmente a placenta accreta. Cesáreas repetidas planejadas também colocam os bebês em risco de dificuldades respiratórias. Uma delas, a hipertensão pulmonar persistente, pode ser fatal.
Leitores objetivos do estudo do New England Journal concluiriam que nem o parto vaginal após cesárea é excessivamente arriscado e nem que as mulheres que optam por parto vaginal após cesárea nunca deveriam ter seus partos induzidos. O que eles concluiriam é:
· A primeira cesárea deveria ser evitada tanto devido aos riscos de uma cirurgia de grande porte quanto porque ela introduz riscos para gravidezes futuras.
· A indução do trabalho de parto só deve ser feita quando os riscos de se esperar pelo parto forem maiores do que o risco de induzi-lo. Uma situação que ocorre com muito menos freqüência do que o típico obstetra acredita.
· Quando a indução parecer o curso de ação mais prudente, não usar prostaglandinas.
Isto me leva à segunda parte of minha refutação, a saber, qual é a evidência de que os obstetras não são objetivos sobre o parto vaginal após cesárea?
A oposição dos obstetras ao parto vaginal após cesárea não tem a ver com segurança
Os obstetras têm sido bem claros quanto à sua motivação para condenar o parto vaginal após cesárea. Em 1996, um obstetra conhecido, também editor de uma revista sobre obstetrícia, propôs um protótipo do que ele chamou de formulário de “consentimento informado”. Este formulário descrevia as temíveis coisas que podiam dar errado com um parto vaginal após cesárea, mas não informava nada sobre as coisas igualmente temíveis que poderiam dar errado numa cesárea de repetição, sem falar dos danos das cicatrizes acumulativas para futuras gravidezes. Poucas mulheres teriam coragem suficiente para tentar um parto vaginal após cesárea depois de ler este formulário. Este médico admitiu francamente que o formulário tinha a intenção de prevenir processos legais e que usá-lo faria com que as suas taxas de cesáreas aumentassem exponencialmente”. Desde então, as companhias de seguro contra erros médicos adotaram amplamente este formulário e começaram a recomendar que seus clientes obstetras o utilizem ou utilizem outros como ele. Muitos deles fazem isto.
A organização profissional dos obstetras, (American College of Obstetricians and Gynecologists) também foi igualmente direta ao falar de sua posição contra o parto vaginal após cesárea. Apesar de não haver mudado os dados, ela publicou novas diretrizes em 1998 que tinham uma visão muito mais negativa do parto vaginal após cesárea do que as diretrizes anteriores. O raciocínio usado para a reviravolta foi que “eventos adversos durante a tentativa de parto normal levaram a processos por erro médico”.
O desejo de se evitar processos por erro médico não significa necessariamente que os obstetras não tenham preocupações legítimas sobre o parto vaginal após cesárea. Entretanto, as discrepâncias lógicas e inconsistências que estão nos argumentos e pronunciamentos médicos revelam que eles não estão, de fato, expressando um interesse genuíno em promover um atendimento seguro e efetivo. Deixe-me citar alguns exemplos.
As novas diretrizes recomendam que os hospitais não permitam um parto vaginal após cesárea a não ser que eles possam fazer cesáreas de emergência imediatas. Isto teve um efeito refreador nos partos vaginais após cesáreas, porque muitos hospitais não podem fazer isso, especialmente à noite ou nos finais de semana. Mas a população geral dos hospitais tem o mesmo potencial de ter uma emergência durante o parto quanto o potencial de uma cicatriz se romper. Se não há segurança nos partos vaginais após cesárea em hospitais que não podem fazer uma cesárea de emergência imediata, então não há segurança para que nenhuma mulher tenha seu filho lá.
Deixando de lado o fato de que as cesáreas impõem outros riscos que contrabalançam o risco de ruptura uterina durante um parto vaginal após uma cesárea, os comentaristas sobre os dados do estudo no estado de Washington estimaram que a chance de 1 em 3,300 de perder o bebê durante um parto vaginal após cesárea era suficiente para a indicação de uma cesárea de repetição planejada. A chance de um exame de aminiocentese desencadear um aborto está entre 1 em 200 e 1 em 400, mais de dez vezes o risco de um bebê morrer devido a uma ruptura uterina causada por um parto vaginal após cesárea. Ainda assim, os obstetras não estão fazendo lobby para o fim da aminiocentese tendo como base o fato de que ela é muito perigosa.
Outra dica é a disposição para distorcer os dados. As diretrizes de 1998 sobre parto vaginal após cesárea citam um único estudo como outra razão além de reduzir as chances de processos para a revisão das diretrizes. O único estudo com esta conclusão diz que “grandes complicações maternas” eram duas vezes mais prováveis em mulheres em trabalho de parto do que em mulheres fazendo cesáreas eletivas. Entretanto, como um pesquisador proeminente de VBAC indica, os autores classificaram infecções e hemorragias que requeriam transfusão de sangue como “complicações menores”, ambas as quais ocorriam com mais freqüência no grupo de cesáreas planejadas. Se você incluir estas duas complicações maiores, como seria o caso normalmente, a diferença entre os dois grupos desaparece. Mesmo sem se fazer isso, ele diz, as taxas de complicações maiores foram bem baixas – um pouco menos de 1% no grupo de cesáreas planejadas, e um pouco mais de 1% no grupo de parto normal.
Dr. Greene, o obstetra editor do “New England Journal” dá um outro exemplo de distorção de dados. Ele passa da conclusão limitada de que o parto vaginal após cesárea, se excluindo o uso de prostaglandinas, aumenta um pouco o risco de ruptura uterina para a declaração generalizada de que o parto vaginal após cesárea é mais perigoso do que uma cesárea de repetição. Ele trata um fator de risco, ruptura uterina, como o resultado devastador, que na verdade é o natimorto ou a mortalidade do recém nascido. Ambos são erros tão elementares de uma abordagem científica adequada para um editor assistente de um jornal local proeminente que isso sugere fortemente que ele tem um interesse particular na publicação deste estudo.
Mesmo a forma com que os dados do estudo de Washington foram apresentados é parcial contra o parto vaginal após cesárea. Este artigo dizia que um trabalho de parto espontâneo vaginal após cesárea aumenta o risco de ruptura 3.3 vezes, comparado com uma cesárea de repetição, uma estatística usada em artigos para a mídia. Isto soa alarmante, mas a diferença absoluta era de quatro mulheres por mil, um número minúsculo quando você considera que dois terços das que experimentam ruptura uterina não sofrerão nada pior do que sofreriam na cesárea que teriam tido de qualquer maneira caso não houvessem decidido pelo parto vaginal após cesárea. O estudo que clamava mostrar que o VBAC após cesárea resultava em mais complicações maternas graves, deve-se dizer, também foi publicado no “New England Journal”, assim como outros editoriais igualmente prejudiciais. Isto faz com que se suspeite de que os obstetras envolvidos no processo do editorial estão usando o jornal para promover suas ideologias sob o disfarce de objetividade jornalística.
Para ser justo, nem todos os obstetras que não fazem um parto vaginal após cesárea estão dispostos a participar desta enganação. Alguns estão inconscientemente ajustando os fatos às suas crenças. Alguns foram convencidos por aqueles que eles consideram como autoridades que a cesárea de repetição é o melhor. Alguns estão felizes por ter uma desculpa para não fazer o que eles já não queriam fazer. Alguns se curvaram relutantemente à pressão devido aos processos por erro medico da companhia de seguros, àp política do hospital ou aos colegas. O resultado para você, no entanto, é o mesmo: os especialistas em que você confia para lhe aconselhar sobre o que é mais seguro para você e seu bebê abandonaram essa responsabilidade. Com poucas exceções, quando os obstetras lhe dizem que a cesárea planejada de repetição é a melhor opção, eles não estão falando sobre o seu bem estar ou o do seu bebê; eles estão falando sobre o bem estar deles próprios.
Nota: Para aqueles de vocês que estão cientes dos perigos do Cytotec (misoprostol), uma prostaglandina responsabilizada por altas taxas de ruptura uterina em partos vaginais após cesárea, o estudo diz que o Cytotec havia sido utilizado apenas a partir de 1996, o último ano do estudo. O estudo compara taxas de ruptura uterina com induções envolvendo prostaglandinas nos anos anteriores a 1996 e não encontra nenhuma diferença. Eu espero que isso seja porque o Cytotec provavelmente não era comumente utilizado no seu primeiro ano. Eu me arrisco a prever que se os pesquisadores tivessem olhado em um ano posterior, as taxas de ruptura uterina associadas com prostaglandinas teriam sido ainda maiores do que foram durante os anos do estudo.
Referências
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2. ACOG. Vaginal delivery after previous cesarean birth. Practice Patterns 1995; No 1.
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6. Goer H. The Thinking Woman’s Guide to a Better Birth. New York: Perigee Books, 1999.
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13. Stolberg SG. A risk is found in natural birth after caesarean. New York Times. Jul 5, 2001.
FONTE: Parents Place
*Traduzido por Andressa Fidelis.
retirado do site da ONG Amigas do Parto
Marcadores: parto normal após cesárea, pesquisas
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