Madame Durocher. Uma parteira diplomada


escrito por: Tricia em terça-feira, dezembro 12, 2006 às 8:57 AM.


Maria Lucia Mott*
Julho de 2005

No final de 1834, Maria Josefina Matilde Durocher anunciava pela primeira vez seus serviços, pelos jornais do Rio de Janeiro. Tinha acabado de concluir o Curso de Parto, na Faculdade de Medicina. A partir de então a parteira se tornou uma figura popular na cidade, não só pela competência profissional, e como resultado enorme clientela, como pelo aspecto viril e trajes usados. Logo após a formatura, adotou os acessórios masculinos casaca e cartola. Alfredo Nascimento a coloca entre as figuras bizarras que circulavam pelas ruas do Rio de Janeiro de então. “Nao se sabia à primeira vista, a que sexo pertencia essa personalidade original”, diz o médico. “Pelo aspecto físico e pelas vestes era um misto mal definido de homem e de mulher.”

O estudo da trajetória pessoal e profissional da parteira Mme. Durocher suscita questões sobre a contribuição das mulheres na construção do conhecimento científico no Brasil. Maria Josefina Matilde Durocher nasceu em Paris. Em 1816, aos sete anos, acompanhou a mãe, a florista Ana Durocher, que se estabeleceu como comerciante no Rio de Janeiro. Neste ano houve um aumento considerável do número de franceses no Brasil e de comércio com a França. Se inicialmente a abertura dos portos realizada pelo príncipe regente d. João beneficiou os ingleses, depois de 1814, com a queda de Napoleão e a volta dos Bourbons ao trono francês, o quadro se transformou. Usos, costumes, cultura e idiona na Corte passaram a ter novo sotaque. Nem mesmo nas lojas eram encontrados os tradicionais tecidos ingleses. Todas as pessoas de alguma posse tinham aderida à moda francesa.

Assim, ao chegar no Brasil, Ana Durocher já encontrou inúmeros compatriotas estabelecidos. Sua loja em pouco tempo prosperou. O comércio varejista da Corte, visto como miserável pelo comerciante inglês Luccock em 1808, com a chegada dos franceses foi substituído por lojas mais sofisticadas. As das modistas, chamavam a atenção pelas vitrines, espelhos, iluminação, além de balconistas do sexo feminino, novidade na época.
A loja de Ana Durocher se localizava na Rua dos Ourives, entre a Rua do Ouvidor e a Rua do Rosário, no centro comercial da cidade, e vendia fazendas, armarinho fino, vestidos e artigos para completar a toilette feminina, como luvas e chapéus. Ao lado de mercadorias importadas, tinha confecção e vendia manufatoras nacionais, como flores de pena, da Bahia.
Mas o sucesso não durou muito. Talvez devido à doença prolongada da proprietária, a loja de Ana Durocher entrou em decadência. Josefina, que tinha pouco mais de vinte anos e lá trabalhava como caixieira, passou a dirigir o negócio da família. Em novembro de 1829, Ana Durocher morreu. A fiha manteve ainda a loja por dois anos. Nessa época ela vivia com Pedro David, negociante francês, mas por pouco tempo: em julho de 1832, ele foi assassinado

O perfil mais conhecido de Mme. Durocher foi construído quando decidiu abandonar a profissão de modista. Anos mais tarde, ao relembrar fatos de sua vida, revelou que, devido à decadência da loja, sendo ela mãe de dois filhos “sem pai” e dispondo “de parcos recursos”, teve de refletir seriamente sobre como mantê-los. Vale destacar que aquilo que ela chama de parcos recursos daria para comprar cerca de dez escravos. Ocorreu-lhe então se dedicar à profissão de parteira, a partir dos exemplos de Mme. Piplar, que havia se hospedado em sua casa no final dos anos 1820, e de Mme. Berghou, parteira da Santa Casa da Misericórdia, ambas francesas.

Seguindo o modelo das parteiras do seu país de origem, que obtinham a formação em esoclas que ensinavam a profissão, Josefina se matriculou, em 1834, no Curso de Partos recém-criado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Paralelamente ao curso regular completou a formação com aulas particulares de importantes médicos da Corte.

A escolha da profissão de parteira foi acompanhada de duas decisões extremamente significativas: a opão pela nacionalidade brasileira e a adoção de roupas de estilo masculino. Mme. Durocher achava o vestuário mais cômodo para os trabalhos da nova profissão e mais decente para uma parteira. Julgava que esse aspecto experior deveria inspirar confiança na parturiente, distinguindo a parteira das demais mulheres. Certamente era também uma necessidade na época, quando as poucas mulheres que se aventuravam a sair à noite sozinha eram tomadas por prostitutas.

Talvez aqui serja necessário fazer um parêntesis e lembrar que o período em que Mme. Durocher se tornou parteira pode ser considerado como o início de uma nova época na assistência ao parto no Brasil. Até então as únicas exigências para o ofício eram provar experiência e passar por um exame, o que, aliás, nem sempre era cumprido. Os partos eram realizados quase que exclusivamente no domicílio da parturiente, assistidos por outra mulher. Não havia maternidades e dar à luz fora de casa, na enfermaria da Santa Casa, era apavorante. O recurso era usado apenas em casos de partos complicados, pois as mortes eram frequentes, pela falta de controle das infecções. Ajudar no parto e dar os primeiros-socorros aos recém-nascidos fazia parte das atribulações do sexo feminino, cujos conhecimentos eram transmitidos de geração para geração. Tanto as senhoras faziam o parto de suas escravas, parentes e vizinhas, como as escravas partejavam as senhoras.

A partir do início do século XIX, os médicos passaram a taxar como ignorantes e a perseguir não só as parteiras, mas todos os práticos que se dedicavam à cura, como sangradores, boticários, dentistas, numa tentativa de uniformizar o saber e evitar a concorrência. Para poder exercer essas atividades, passou-se a exigir diploma, obtido nas duas únicas faculdades de medicinas existentes no país, a do Rio de Janeiro e a da Bahia, criadas em 1832. No caso das parteiras, a formação deveria ser obtida no Curso de partos, anexo à Clínica Obstétrica (então nomeada Cadeira de Partos, Mulheres Pejadas e Recém-Nascidos). Os médicos eram responsáveis pelo regulamento e ensino, o que reforçava a posição de autoridade em relação às parteiras e legitimava normas de conduta segundo os preceitos por eles estabelecidos. Porém, eles ainda tinham muita dificuldade em ter acesso ao quarto das parturientes: só eram chamados em partos difíceis, quando era necessária alguma operação.

O número de parteiras formadas no Brasil, no século XIX, foi pequeno. Para a inscrição, exigía-se que as alunas fossem alfabetizadas e soubessem francês. A maioria das parteiras continuou a exercer a função sem diplomada. Boa parte das parteiras diplomadas vinha de outros países. Muitas, além de fazerem o parto no domicílio das parturientes, recebiam clientes em casa. Aí eram atendidas em geral escravas, negras livres, e mulheres que por alguma razão estavam impedidas de dar à luz em suas próprias casas, como por exemplo as provenientes do interior, as mães-solteiras e as viúvas. Esses estabelecimentos não possuíam boa fama, pois havia rumores de que também faziam abortos.

Para acessar o artigo completo visite o site da ONG Amigas do Parto

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Tricia Cavalcante: Doula na Tradição, formada pela ONG Cais do Parto, mãe de três, e doula pós-parto.Moro em Fortaleza-CE.


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