Harmonia ao dar a luz
escrito por: Tricia em quarta-feira, junho 21, 2006 às 11:10 AM.
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FONTE: ENSP FioCruz
O Ministério da Saúde está implementando o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, promovendo a formação de enfermeiras obstetras, autorizadas a fazer partos de baixo risco sem a presença de médico, e tem oferecido cursos a parteiras tradicionais nas regiões Norte e Nordeste e nas áreas quilombolas. É um início, mas ainda distante do chamado parto humanizado, comum em países desenvolvidos como Suécia, Holanda, Alemanha, França e Canadá. O Brasil seguiu o paradigma americano, que é o da medicalização do parto e do nascimento, com foco na tecnologia, em intervenções e procedimentos custosos, mais convenientes para a equipe médica do que para a parturiente e a criança.
Em sua vivência profissional, a especialista em Saúde da Mulher e pediatra Maria José de Araújo viu tanta agressividade nas salas de parto que decidiu não ter filhos. Ela fez essa revelação na 2ª Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e Nascimento, em dezembro, no Rio de Janeiro. A maioria dos relatos ouvidos nos quatro dias do evento, porém, eram bem diferentes das histórias que muitas mães têm para contar, e que deixam qualquer um apavorado apenas de ouvir a expressão “parto normal”. Porque, em vez de agressividade, medo e sensação de desamparo, os relatos de partos humanizados falavam de acolhimento, introspecção, harmonia consigo mesma e até de prazer ao dar à luz. Será possível?
O Brasil chegou a ser o campeão de cesarianas no fim dos anos 80, com o assustador índice de cesáreas ultrapassando 80% do total de partos. Diante desse quadro, alguns profissionais de saúde começaram a reagir. Em 1993, foi criada a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa), que organizou a primeira conferência em 2000 e foi também responsável pela promoção desta segunda, cinco anos depois.
Algumas vitórias importantes já podem ser contabilizadas. O SUS adotou um limite para o pagamento de cesáreas, reduzindo drasticamente seu uso nos serviços públicos de saúde. Em 7 de abril de 2005 entrou em vigor a Lei 11.708, da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), dando às mulheres o direito a acompanhante de sua escolha antes, durante e após o parto. Alguns municípios criaram as Casas de Parto, fora do ambiente hospitalar.
AINDA EXCEÇÃO
Mas parto e nascimento humanizado ainda é a exceção. Daí a importância da conferência, que reuniu profissionais do Brasil e de fora para troca de experiências e elaboração de propostas que agilizem a mudança do paradigma e da cultura dominante quando o assunto é dar à luz.
Um dos maiores críticos da medicalização do parto é o perinatologista e epidemiologista perinatal americano Marsden Wagner, escolhido presidente de honra da conferência. Por 15 anos ele foi responsável pela saúde materno-infantil no escritório europeu da OMS. Em sua palestra na conferência defendeu o trabalho das parteiras e ressaltou a importância da difusão de boa informação sobre o assunto. Conhecedor do Brasil, afirmou que 1.500 mulheres morrem a cada ano no país por complicações relacionadas a gravidez e parto. E pelo menos 500 delas morrem por causa de cesarianas desnecessárias.
É claro que parto humanizado supõe a mãe saudável, com gravidez de baixo risco. Mas mesmo nos casos em que a cesariana é imprescindível ou que a mulher opta, esclarecidamente, pela cirurgia é possível tornar o procedimento mais humanizado. Com a presença, por exemplo, de uma doula — acompanhante treinada para dar apoio emocional e orientação à parturiente.
O MOMENTO CERTO
Marsden disse que, numa cesárea, se o médico aguarda até que a mãe entre em trabalho de parto diminuem os riscos de problemas para o bebê. Mas com freqüência não se espera esse momento: quem determina a hora é a agenda do médico. Ao jogar por terra vários argumentos geralmente usados a favor das cesarianas, Marsden também se queixou da falta de informação para a população sobre os riscos dessa e de outras intervenções no parto. “As brasileiras não são informadas sobre esses riscos, que não são apenas de morte, mas também de lesão de órgãos da mãe, de redução da possibilidade de ter outro filho, de problemas num próximo parto”, disse ele.
Para o perinatologista, usar parteiras é uma maneira de reduzir o número de cesáreas desnecessárias. Nos países em que a medicalização é mais radical — Brasil, Estados Unidos e Rússia —, as parteiras quase desapareceram, e a taxa de cesarianas é mais alta. No Brasil, com todo o controle do serviço público, a média geral de cirurgia chega ainda a 40%; nos hospitais privados, entre 80% e 90% dos partos são cesáreas.
As taxas de cesáreas em nosso país não têm amparo nem em evidências científicas nem no respeito à vontade das mães. “Não aceite que ninguém lhe diga que esse alto índice de cesáreas no Brasil é porque as mulheres querem”, alertou Marsden. “Há estudos mostrando que, quase sempre, essas cirurgias são feitas contra a vontade das mulheres”. De fato, pesquisa publicada por Potter e Berquó no British Journal of Medicine (2001) mostrou que a taxa de cesarianas não-desejadas pelas pacientes no Brasil chega a 31% nos hospitais públicos e a 72% nos privados.
“Os médicos substituíram as parteiras sob a alegação de que assim seria mais seguro”, disse. “A ciência provou que para os partos normais de baixo risco as parteiras são opção mais segura do que os médicos, porque são menos intervencionistas, e agora temos boa evidência científica de que é tão seguro, ou mais, dar à luz fora de hospitais”. (C.R.L.)
O Ministério da Saúde está implementando o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, promovendo a formação de enfermeiras obstetras, autorizadas a fazer partos de baixo risco sem a presença de médico, e tem oferecido cursos a parteiras tradicionais nas regiões Norte e Nordeste e nas áreas quilombolas. É um início, mas ainda distante do chamado parto humanizado, comum em países desenvolvidos como Suécia, Holanda, Alemanha, França e Canadá. O Brasil seguiu o paradigma americano, que é o da medicalização do parto e do nascimento, com foco na tecnologia, em intervenções e procedimentos custosos, mais convenientes para a equipe médica do que para a parturiente e a criança.
Em sua vivência profissional, a especialista em Saúde da Mulher e pediatra Maria José de Araújo viu tanta agressividade nas salas de parto que decidiu não ter filhos. Ela fez essa revelação na 2ª Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e Nascimento, em dezembro, no Rio de Janeiro. A maioria dos relatos ouvidos nos quatro dias do evento, porém, eram bem diferentes das histórias que muitas mães têm para contar, e que deixam qualquer um apavorado apenas de ouvir a expressão “parto normal”. Porque, em vez de agressividade, medo e sensação de desamparo, os relatos de partos humanizados falavam de acolhimento, introspecção, harmonia consigo mesma e até de prazer ao dar à luz. Será possível?
O Brasil chegou a ser o campeão de cesarianas no fim dos anos 80, com o assustador índice de cesáreas ultrapassando 80% do total de partos. Diante desse quadro, alguns profissionais de saúde começaram a reagir. Em 1993, foi criada a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa), que organizou a primeira conferência em 2000 e foi também responsável pela promoção desta segunda, cinco anos depois.
Algumas vitórias importantes já podem ser contabilizadas. O SUS adotou um limite para o pagamento de cesáreas, reduzindo drasticamente seu uso nos serviços públicos de saúde. Em 7 de abril de 2005 entrou em vigor a Lei 11.708, da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), dando às mulheres o direito a acompanhante de sua escolha antes, durante e após o parto. Alguns municípios criaram as Casas de Parto, fora do ambiente hospitalar.
AINDA EXCEÇÃO
Mas parto e nascimento humanizado ainda é a exceção. Daí a importância da conferência, que reuniu profissionais do Brasil e de fora para troca de experiências e elaboração de propostas que agilizem a mudança do paradigma e da cultura dominante quando o assunto é dar à luz.
Um dos maiores críticos da medicalização do parto é o perinatologista e epidemiologista perinatal americano Marsden Wagner, escolhido presidente de honra da conferência. Por 15 anos ele foi responsável pela saúde materno-infantil no escritório europeu da OMS. Em sua palestra na conferência defendeu o trabalho das parteiras e ressaltou a importância da difusão de boa informação sobre o assunto. Conhecedor do Brasil, afirmou que 1.500 mulheres morrem a cada ano no país por complicações relacionadas a gravidez e parto. E pelo menos 500 delas morrem por causa de cesarianas desnecessárias.
É claro que parto humanizado supõe a mãe saudável, com gravidez de baixo risco. Mas mesmo nos casos em que a cesariana é imprescindível ou que a mulher opta, esclarecidamente, pela cirurgia é possível tornar o procedimento mais humanizado. Com a presença, por exemplo, de uma doula — acompanhante treinada para dar apoio emocional e orientação à parturiente.
O MOMENTO CERTO
Marsden disse que, numa cesárea, se o médico aguarda até que a mãe entre em trabalho de parto diminuem os riscos de problemas para o bebê. Mas com freqüência não se espera esse momento: quem determina a hora é a agenda do médico. Ao jogar por terra vários argumentos geralmente usados a favor das cesarianas, Marsden também se queixou da falta de informação para a população sobre os riscos dessa e de outras intervenções no parto. “As brasileiras não são informadas sobre esses riscos, que não são apenas de morte, mas também de lesão de órgãos da mãe, de redução da possibilidade de ter outro filho, de problemas num próximo parto”, disse ele.
Para o perinatologista, usar parteiras é uma maneira de reduzir o número de cesáreas desnecessárias. Nos países em que a medicalização é mais radical — Brasil, Estados Unidos e Rússia —, as parteiras quase desapareceram, e a taxa de cesarianas é mais alta. No Brasil, com todo o controle do serviço público, a média geral de cirurgia chega ainda a 40%; nos hospitais privados, entre 80% e 90% dos partos são cesáreas.
As taxas de cesáreas em nosso país não têm amparo nem em evidências científicas nem no respeito à vontade das mães. “Não aceite que ninguém lhe diga que esse alto índice de cesáreas no Brasil é porque as mulheres querem”, alertou Marsden. “Há estudos mostrando que, quase sempre, essas cirurgias são feitas contra a vontade das mulheres”. De fato, pesquisa publicada por Potter e Berquó no British Journal of Medicine (2001) mostrou que a taxa de cesarianas não-desejadas pelas pacientes no Brasil chega a 31% nos hospitais públicos e a 72% nos privados.
“Os médicos substituíram as parteiras sob a alegação de que assim seria mais seguro”, disse. “A ciência provou que para os partos normais de baixo risco as parteiras são opção mais segura do que os médicos, porque são menos intervencionistas, e agora temos boa evidência científica de que é tão seguro, ou mais, dar à luz fora de hospitais”. (C.R.L.)
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