Humanização da Saúde no Ceará


escrito por: Tricia em terça-feira, maio 30, 2006 às 10:34 AM.

HUMANIZAÇÃO DO PARTO
Gestante e médico viram parceiros

"Humanizar o parto é respeitar e criar condições para que todas as dimensões do ser humano sejam atendidas: espirituais, psicológicas, biológicas e sociais", define a parteira Marilia Largura, autora do livro "A Assistência ao Parto no Brasil". Apesar da resistência de alguns obstetras, essa abertura já é uma exigência da Organização Mundial de Saúde (OMS). No Ceará, a humanização do parto começou com o trabalho do professor José Galba Araújo, primeiro diretor da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), na década de 1980. Com a finalização do Projeto Luz, em 2001, pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), o assunto ganhou dimensão no Estado. Entraram em cena as doulas, mulheres capacitadas para acompanhar as parturientes durante a gestação, e surgiram Organizações Não-Governamentais (ONGs) engajadas em incentivar a autonomia das mulheres nesse processo e reduzir os altos índices de cesáreas no Brasil, o equivalente a 41% dos partos.

Avanços tecnológicos na medicina resultaram em mudanças no processo de gestação da mulher. Medicamentos, em alguns casos desnecessários para o bem-estar de mãe e filho, são ministrados com freqüência. Além disso, o medo e a desinformação das mulheres acaba, na maioria dos casos, em especial na rede particular de saúde, alimentando as altas taxas de cesarianas no País.

Em Fortaleza, de acordo com o obstetra Silvio Carlos Rocha de Freitas, assessor da Área Técnica da Saúde da Mulher, a humanização do parto surge para dar à mãe a permissão de conduzir o próprio processo de gestação. Dessa forma, "ela passa a ser tratada com mais respeito, tendo voz ativa".

Após o trabalho do professor José Galba Araújo, também como diretor da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), e o desenvolvimento do Projeto Luz, durante cinco anos no Ceará, pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), alguns hospitais em Fortaleza começaram a apresentar mudanças. À exemplo do Hospital Geral César Cals (HGCC), Meac e Gonzaguinha de Messejana.

Na década de 1980, o professor Galba Araújo já defendia o parto natural. Seu trabalho era direcionado à melhoria da qualidade do parto domiciliar e a necessidade de identificação das gestantes de risco. Para isso, desenvolveu atividades com as parteiras, função hoje extinta nos hospitais.

Apesar da resistência de alguns médicos obstetras, cresce o número de adeptos a essa filosofia, segundo Silvio de Freitas. Profissionais interessados em compartilhar com as gestantes as principais decisões do parto. Nesse processo, a mulher opina sobre o uso da episiotomia de rotina, da anestesia ou, ainda, a melhor posição para o nascimento, colocando a saúde do bebê e a sua em primeiro lugar.

A estrutura de alguns hospitais, entretanto, ainda dificulta esse processo. Evitando, por exemplo, a presença de um acompanhante durante o trabalho de parto, garantida pela Lei 11.108/ 2005.

De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 14 estudos científicos brasileiros e internacionais, realizados em mais de cinco mil mulheres, indicam que as gestantes acompanhadas no parto e pós-parto ficam mais tranqüilas e seguras.

Esperando o primeiro filho, a nutricionista Mônica Weyne já decidiu quem acompanhará seu parto. "Eu gostaria de ter a minha mãe ao meu lado, mas como ela é muito emotiva, será o meu marido". Na 37ª semana de gravidez, Mônica está muito tranqüila: "Meu médico é a favor do parto natural. Isso contribui muito".

Entre as ações do Ministério da Saúde para a humanização do parto, está o incentivo à redução das cesáreas desnecessárias. Em comemoração ao Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna, celebrados hoje, o Governo lança, na próxima terça-feira, uma campanha nacional de incentivo ao parto normal.

O Centro de Parto Natural de Fortaleza, vinculado à Universidade Federal do Ceará (UFC), foi inaugurado em 2003 através de uma parceria com o Ministério da Saúde. O local ainda não realiza partos normais de baixo risco, mas funciona, no turno da manhã, para pré-natal e prevenção do câncer de colo do útero.

VANTAGEM
Ceará registra 34,4% de cesárias

As dores do parto normal levam milhares de mulheres a optarem pela cesariana. No Ceará, de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), das 137 mil crianças nascidas em 2004, 34,4% foram de partos cesáreos.

De acordo com o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) do Ministério da Saúde, as cesáreas representaram, no mesmo ano, mais de 41% dos partos realizados no País. Enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) aconselha o percentual máximo de 15%.

Na rede particular de saúde, o índice se agrava. Segundo pesquisa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em 2004 aconteceram 2,5 milhões de nascimentos e a taxa de cesarianas no segmento privado atingiu 79,9%, uma das maiores do mundo. No Sistema Único de Saúde (SUS), o percentual é de 27,53%.

Apesar da mãe não poder programar o momento e a duração do nascimento do filho em um parto normal, é beneficiada com uma série de vantagens. Entre elas, há menos chances do bebê ser retirado prematuro do útero, não há cicatriz aparente, a recuperação pós-parto é mais rápida e a possibilidade de dores abdominais por aderências é menor, assim como hemorragias e infecções.

A cesariana, explica o médico Ricardo Gadelha, coordenador da emergência obstétrica do Hospital Geral César Cals, só é indicada para pacientes com registro anterior de dois ou mais partos cesáreos, ou em situações de risco, como o deslocamento da placenta. "A anulação da dor na cesárea é uma ilusão. Nesse tipo de parto, o sangramento é maior, assim como os riscos de infecção. No pós-parto, a recuperação é mais lenta", explica o médico.

No César Cals, conforme Gadelha, a média de cesáreas é de 40%. Em 2005, 52% das mulheres internadas no hospital eram pacientes de alto risco. "Ainda assim, a taxa de cesáreas ficou em torno de 40%", ressalta.

Para Socorro Moreira, representante da Organização Não-Governamental (ONG) Parto Princípio, as mulheres só devem permitir a cesárea quando a mãe ou o bebê estiverem correndo risco de morte. Depois do nascimento do primeiro filho, Socorro aguardou cinco anos para engravidar novamente e tentar um parto normal.

No nascimento do segundo filho, Juliano, Socorro passou 30 horas em trabalho de parto, acompanhada por uma obstetra em casa. Ainda assim, a cesárea foi necessária pois a vida do bebê já estava em risco. "O segundo nascimento fechou as feridas do primeiro. Eu fiquei bem. Dei à luz ao Juliano da melhor maneira possível. Eu lutei", lembra.



ASSISTÊNCIA
Parteiras são amigas das gestantes na Meac

De acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), realizada em 1996 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 20% dos partos em áreas rurais e de difícil acesso aconteciam em casa com assistência de parteiras.

A Rede Nacional de Parteiras Tradicionais estima que ainda existam cerca de 60 mil mulheres em atividade. A maioria nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Na Meac, as parteiras das décadas de 60 e 80 retornaram ao hospital como “Amigas da Gestante”, em 2000, apenas acompanhando as futuras mamães durante o parto.

“A gente recebe a paciente e dá todo o apoio emocional, antes e na hora do parto. Às vezes , um carinho ajuda a relaxar”, conta Maria Gadelha.

Aos 78 anos, a ex-parteira guarda na bagagem a lembrança dos 42 anos de atividade. Há quem calcule mil partos em sua trajetória, mas Maria Gadelha acha exagero. Apesar de não saber o número, ela recorda com carinho todos os partos. Em especial, o nascimento de trigêmeos, em 1976, na Meac. “Tenho muita vontade de reencontrá-los”, conta.

Na última quinta-feira, Maria Gadelha recebeu uma homenagem da Secretaria Executiva Regional I. A sala do Conselho Regional de Saúde, inaugurada na ocasião, recebeu seu nome.

Reconhecendo o trabalho das parteiras, o Ministério da Saúde criou o Programa Trabalhando com Parteiras Tradicionais, em 2000, com o objetivo de reduzir o adoecimento e a morte dos recém-nascidos e das mães durante a gestação, parto e no período logo depois do parto. Mas o Ceará não participa do programa.

Nos hospitais, os obstetras substituíram as parteiras. Entretanto, elas continuam a atuar fora desse ambiente. “Se for uma emergência, eu faço. Como no nascimento do meu bisneto. A criança ia nascer dentro do carro”, conta Maria José da Silva.

PROJETO LUZ
"Doulas" passam segurança à mãe na hora do parto

"No meu parto, a doula foi a interlocutora entre o médico e eu. Para ele, era só mais um procedimento. Mas a doula não, ela sabia realmente o significado daquele momento para mim. Ela estava preocupada com o meu bem-estar físico e emocional". O depoimento de Clícia Weyne, 30 anos, relembra a importância da doula durante o nascimento do primeiro filho, João.

Do grego "mulher que serve", a palavra "doula" ganhou força em Fortaleza após o desenvolvimento do Projeto Luz, uma parceria entre a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) e a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), finalizada em 2001. Na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, as doulas acompanham as parturientes há seis anos.

Contemplada com a troca de experiências entre Brasil e Japão, a enfermeira obstétrica Ineida Sales atua como doula desde 1998. Em oito anos, acompanhou o parto de 122 mulheres na rede particular. Nos hospitais públicos, Ineida estima uma média de dez nascimentos diariamente.

"O parto humanizado vem para difundir a importância da participação da mulher nas decisões durante a gestação. O papel da doula, nesse processo, é transmitir segurança para a mãe e favorecer o seu conforto, com massagens e diferentes posições", diz.

"A doula olha no olho da mãe. Observa as emoções da mente e não apenas avalia a parte técnica do parto. A nossa preocupação é com os medos e receios". Por isso, explica Ineida, o papel da doula começa ainda na gravidez, ajudando na preparação da família.

Em encontros com os pais do bebê, ela orienta sobre as posições do parto e esclarece os mitos, relacionados ao bem-estar de mãe e filho.

Entretanto, a presença desse profissional ainda é rejeitada por alguns obstetras. A médica da publicitária Tricia Lima, 26 anos, se recusou a conhecer Ineida. "No caso da Clícia, o parto aconteceu como ela queria, porque toda a equipe médica era adepta ao parto humanizado. Já na gravidez da Tricia, a médica não quis nem me conhecer", lembra.

No plano de parto feito por Tricia, com o auxílio da doula, a futura mamãe demonstrou suas vontades: queria um parto de cócoras, sem anestesia, totalmente natural, ao lado do marido e da doula. "Quando mostrei meu plano para a médica, ela riu da posição e questionou a presença da doula", conta.

Enquanto esperava a filha Thaís, hoje com um ano e meio, Tricia pesquisava muito e questionava a médica. "Ela era minha ginecologista desde os 11 anos. Pensar em mudar de médica era muito difícil, então passei a acreditar que ela mudaria de idéia". No final, Thaís nasceu de parto cesário. Segundo a médica, estava com sofrimento fetal.

TECNOLOGIAParto do Principio
Voluntárias usam a internet para articular demandas

Elas deixaram os corações de mulher, gestante e mãe falarem mais alto. Por uma maternidade ativa, criaram a Organização Não-Governamental (ONG) Parto do Princípio. Mais de 200 mulheres voluntárias, espalhadas em 16 estados brasileiros, se comunicam, articulam demandas e dividem ações pela internet ( www.partodoprincipio.com.br).

O objetivo, de acordo com a representante da ONG em Fortaleza, Socorro Moreira, é lutar pelos direitos das mulheres e incentivar a autonomia nas decisões relativas ao seu corpo e do seu filho durante a gestação e pós-parto. "A rede valoriza e estimula o parto normal. Mas o nosso papel não é conscientizar, é apontar caminhos para a mulher pesquisar e tomar uma decisão informada".

Além de cuidar dos dois filhos - Mário (6 anos) e Juliano (6 meses) -, Socorro é bancária e psicóloga, nas horas vagas, assim como as demais voluntárias da ONG, contribui para o site com novas informações.

Artigos, depoimentos de partos, esclarecimentos sobre mitos, orientações sobre o plano de parto, entre outras dicas e truques, auxiliam as futuras mamães a encararem a gestação, o parto e a amamentação "como processos naturais, carregados de significado e beleza", como descreve Renata Penna, mãe das gêmeas Ana Luz e Estrela.

Juntas, a rede defende a humanização do parto. O que, para a jornalista Socorro Acioli, significa o respeito à forma como a natureza preparou a chegada dos seres humanos ao mundo. "Sentir o corpo se preparando, as contrações, a dilaceração do corpo, é tudo tão perfeito que não pode ser desrespeitado".

Para receber a filha Beatriz, Socorro optou por um médico humanizado. "Tive um pré-natal muito seguro. Ele [o médico] me dizia que o melhor parto seria o que fosse melhor para o meu bebê". Beatriz nasceu de parto normal, como a mãe desejava, às 7h40min do dia 7 de maio de 2003.

AMBIENTE
Hospital César Cals investe em salas de parto decoradas

A humanização do parto, conforme o Manual do Parto Humanizado, resultado do Projeto Luz, realizado pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), começa pelas instalações da maternidade. A sugestão é transformar esse espaço em uma ambiente agradável.

O Hospital Geral César Cals (HGCC) já apresenta algumas dessas mudanças. Além da separação da área obstétrica das demais dependências do hospital, as salas de parto são individuais e bem decoradas. “A Humanização está associada a uma série de fatores: ambiente, internação e conduta”, destaca Ricardo Gadelha, coordenador da emergência obstétrica.

Entretanto, apesar das ações de humanização desenvolvidas no hospital - incluindo o Método Mãe Canguru e a Casa da Gestante -, a superlotação dos leitos e das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal e de Médio Risco prejudicam o atendimento. “Em alguns casos, a paciente tem o bebê e continua na mesa de parto por falta de leito”, conta Gadelha.

Os recém-nascidos também arcam com as conseqüências. Esta semana, as duas UTIs neonatais estavam superlotadas. No espaço reservado para 21 crianças, havia 30 internadas. “Recebemos grávidas de vários municípios cearenses, inclusive Sobral, o centro de uma macroregião”, ressalta.

Acomodar esse número extra, explica Gadelha, “não é só colocar um berçinho a mais, exige uma equipe maior, o que acaba sobrecarregando os profissionais”.

Apesar das mudanças na área de obstetrícia, as salas de parto ainda não possuem espaço suficiente para a liberação da entrada de um acompanhante durante o nascimento do bebê.

Para as mães que aguardam, internadas no hospital, a recuperação dos filhos prematuros ou com baixo peso, é a saudade da família o único motivo para tristeza. “Aqui sou muito bem assistida. Tenho contato diário com minha filha, mas sinto muita saudade de casa”, conta Eneide de Souza, 22 anos, mãe de Ana Amélia, nascida há mais de um mês.



FONTE: Jornal Diário do Nordeste

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Tricia Cavalcante: Doula na Tradição, formada pela ONG Cais do Parto, mãe de três, e doula pós-parto.Moro em Fortaleza-CE.


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