Doutor, prefiro a faca.


escrito por: Tricia em quarta-feira, dezembro 13, 2006 às 11:17 AM.


Epidemia de cesarianas nos países latino-americanos

A América Latina gasta anualmente cerca de US$425 milhões em mais de 850.0000 operações desnecessárias

"Enquanto o setor público gasta dinheiro com cesarianas caras e desnecessárias, muitas mulheres, principalmente as mais pobres, recebem cuidados de saúde precários durante o parto"

PAUL CONSTANCE
Pergunte a uma chilena abastada sobre o nascimento de seu filho nos dias de hoje e é muito provável que não mencione técnicas de respiração, Lamaze ou contrações. Isso porque nas clínicas e hospitais privados do Chile mais de 60% de todos os bebês nascem por parto cesariano, em que o abdome materno é aberto e se faz uma incisão no útero.

O número de cesarianas é mais do que um fenômeno de classe alta. Segundo uma compilação de estatísticas apresentadas em abril último no Congresso Mundial de Medicina Perinatal em Buenos Aires, entre 1993 e 1997 a taxa de cesarianas no Chile foi de 40% - a mais alta do mundo. No Brasil, a média nacional esteve pouco acima de 36% durante o mesmo período. Em Cuba, México, Uruguai e Argentina, a média foi de pouco mais de 23%.

O curioso é que esses números são bastante mais altos do que os encontrados nas nações industrializadas, que gastam muito mais com saúde do que os países da América Latina. Na França, que recentemente recebeu da Organização Mundial da Saúde a mais alta classificação de qualidade em atendimento de saúde entre os países, a taxa de cesarianas foi de 15,9% em 1995. Mesmo nos Estados Unidos, onde o número de partos cesarianos aumentou com rapidez durante os anos 70 e 80, a taxa se estabilizou ao redor de 21% em 1998.



Percepções e incentivos

A justificativa médica para uma cesariana é a presença de fatores de risco, tais como posição sentada do feto, que podem colocar em perigo a vida da mãe ou da criança num parto normal. Estarão as mulheres latino-americanas mais sujeitas a complicações do parto do que em outras regiões?
Definitivamente, não. Segundo um número crescente de médicos e defensores da saúde pública, a taxa elevada de cesarianas na América Latina é uma aberração causada por fatores financeiros, educacionais e políticos que criam incentivos para a realização de operações desnecessárias. Além disso, os críticos condenam as cesarianas porque desviam recursos escassos dos problemas de saúde mais urgentes, além de expor mães e bebês a riscos desnecessários.

Os países da América Latina certamente não estão sozinhos no recurso crescente às cesarianas. Nos últimos 30 anos, seu uso aumentou progressivamente, em parte devido à divulgação de técnicas de monitoramento fetal que dão aos médicos um quadro muito mais detalhado (embora freqüentemente impreciso) dos riscos inerentes a cada nascimento. Em países onde os médicos podem ser processados por imperícia profissional quando algo sai errado durante o parto, essas tecnologias podem ter encorajado o uso preventivo das cesáreas.

Essa tendência é freqüentemente exacerbada por pais ansiosos, com percepção errônea ou exagerada dos riscos dos partos normais, especialmente se a mulher já passou por uma cesariana. Os médicos muitas vezes preferem as cesáreas porque podem marcá-las com antecedência, acomodando-as a seus horários ocupados, em vez de esperar durante horas que a parturiente passe pelo trabalho de parto. O aumento dos planos de seguro de saúde, alguns dos quais reembolsam médicos e hospitais a taxas mais altas em caso de partos cesarianos, parece ter introduzido em muitos casos um incentivo financeiro deturpador.

Em conseqüência desses fatores, a taxa de cesarianas mais do que dobrou em muitos países no último quartil do século 20. No final dos anos 80, quando quase um quarto dos partos nos Estados Unidos era por cesariana, grupos de consumidores e alguns médicos declararam a cesariana "epidêmica" e exigiram ação conjunta das autoridades sanitárias do governo para diminuir seu número. Campanhas semelhantes foram feitas na Grã-Bretanha e em outros países com taxas altas de operações.
Custos reais, riscos reais.

Essas reações provocaram um debate acirrado sobre qual a taxa apropriada de cesarianas. Em 1985, a Organização Mundial da Saúde estabeleceu 15% como a taxa mais alta aceitável, com base nos índices encontrados em países com as taxas de mortalidade infantil mais baixas do mundo. Em 1991, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos adotou também a taxa de 15% como objetivo nacional a ser alcançado até o ano 2000 (as cifras
desse ano ainda não estão disponíveis, mas é pouco provável que a meta tenha sido atingida).

É indiscutível o fato de que as cesarianas protegem as vidas de mães e bebês em situações de emergência, mas pesquisas recentes começaram a enfocar os riscos da operação. Além dos perigos óbvios para a mãe associados a uma cirurgia importante como essa, há evidências substanciais de que os bebês que nascem por cesariana estão mais sujeitos a complicações (tais como dificuldades de respiração) do que os nascidos de parto normal. Um estudo de 1991 realizado em 25 hospitais na Cidade do México e publicado no American Journal of Obstetrics and Gynecology, por exemplo, mostrou que bebês de peso normal que nascem por cesariana tinham 2,5 vezes mais probabilidade de morrer no período imediatamente a seguir ao nascimento do que os bebês de parto normal.

Embora os médicos continuem a debater os méritos relativos das cesarianas, não há controvérsia sobre o custo adicional que elas impõem ao sistema de saúde. Vários estudos mostram que o parto cesariano custa em geral de duas a três vezes o preço do parto normal. Embora os analistas ainda não tenham calculado como esses custos afetam os orçamentos de saúde como um todo, um estudo de novembro de 1999 publicado no British Medical Journal torna possível chegar a uma aproximação deveras alarmante. O estudo estima que "a cada ano são realizadas mais de 850.000 cesarianas desnecessárias" nos países da América Latina e do Caribe, se os 15% forem tomados como padrão. Com base na estimativa conservadora de que um parto cesário custa US$500 mais do que um parto normal, isso significa que os países da região estão gastando inutilmente US$425 milhões ao ano.

"Enquanto o setor público gasta dinheiro com cesarianas caras e desnecessárias, muitas mulheres, principalmente as mais pobres, recebem cuidados de saúde precários -- quando recebem -- durante o parto", diz Amanda Glassman, especialista do BID que está estudando o assunto. "A eliminação do excesso de cesarianas e a realocação desses recursos para atenção pré-natal e cuidados maternos básicos reduzirão o número de morte neonatais e maternas, que ainda é muito alto na América Latina."

Quem é responsável?

Apesar da conscientização crescente sobre os custos humanos e financeiros decorrentes de cesarianas desnecessárias, as autoridades governamentais de saúde em muitos países da América Latina não têm atuado com presteza. Isso se deve em parte ao fato de que as taxas mais altas de cesarianas se encontram em hospitais e clínicas privados, sobre os quais o governo tem influência limitada. No Chile, por exemplo, a taxa de cesarianas é de 58% no setor privado e de 28% no público.
Mesmo no setor público, porém, nem sempre é fácil para os que formulam as políticas forçar a mudança. A boa gestão financeira não é recompensada nos sistemas públicos de saúde. "Os hospitais públicos não têm incentivo para reduzir seus custos operacionais mediante a prevenção de cesarianas, porque se o fizerem provavelmente terão seu orçamento reduzido no ano seguinte", diz Ana Langer, especialista em saúde pública que estudou o problema das cesarianas no Brasil e no México. Langer, que dirige o escritório mexicano de The Population Council, instituto de pesquisa com sede em Nova York, diz que o governo brasileiro adotou medidas louváveis, como por exemplo diminuir a diferença nos preços pagos aos hospitais por partos cesáreos e partos normais. Mas ela crê que os administradores dos hospitais fariam mais pressão sobre os médicos para diminuir a taxa de cesarianas se o dinheiro poupado pudesse ficar retido nos hospitais.

Mesmo em situações em que existe um esforço conjunto para reduzir a taxa de cesarianas o progresso é difícil. Os médicos se ressentem de interferências em sua prerrogativa de recomendar o que crêem que é melhor para o paciente. Em alguns países os próprios pacientes são o obstáculo. Langer diz que muitas pacientes de classe alta no Brasil pedem cesarianas mesmo quando não têm razões médicas para fazê-lo. "Encontro todo tipo de conceitos errôneos", diz Langer. "Por exemplo, existe uma crença generalizada de que o parto normal diminui depois o poder de atração da mulher. Muita gente também acredita que é mais seguro fazer uma cesariana. Há também a questão do status - ter um bebê mediante cesariana é considerada uma opção mais moderna, mais classe alta."

Em teoria, os médicos têm a responsabilidade de educar seus pacientes e corrigir esses conceitos errados. De fato, alguns críticos do número excessivo de cesarianas dizem que a atitude dos médicos e os conselhos que dão às mulheres podem desempenhar um papel crucial na taxa de cesarianas. Um estudo publicado na edição de The Lancet de 7 de dezembro de 1991 examinou as decisões tomadas por 12 obstetras num hospital particular de Rosario, Argentina. Esses médicos fizeram 1.974 partos num período de nove meses. Todos tinham treinamento e formação acadêmica semelhantes. Os antecedentes socioeconômicos e educacionais e os fatores de risco das pacientes também eram similares. Ainda assim, o estudo concluiu que, mesmo isolando todos os outros fatores, um terço dos obstetras recomendou "20%-50% mais cesarianas" do que seus colegas. Os autores concluíram que a "atitude clínica" do obstetra é uma variável importante -- e subjetiva -- da taxa de cesarianas.

Apesar desses obstáculos, diversos programas conseguiram reduzir essa taxa. Segundo Glassman, do BID, os programas bem-sucedidos combinam educação do paciente e dos médicos, com mudanças no protocolo médico (como requerer uma segunda opinião antes de fazer uma cesariana) que encorajem o parto normal.

FONTE:IADB.org

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Tricia Cavalcante: Doula na Tradição, formada pela ONG Cais do Parto, mãe de três, e doula pós-parto.Moro em Fortaleza-CE.


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