Parteira moderna humaniza nascimento


escrito por: Tricia em domingo, janeiro 13, 2008 às 3:30 PM.

*Fabiano Ormaneze / Agência Anhangüera*

O estetoscópio de Pinard - instrumento de madeira criado há mais de 130 anos
para ouvir o coração do bebê no ventre da mãe - resiste ao tempo na casa da
enfermeira Maria Clara Amaral. Mesmo já sem utilizá-lo, ele se tornou um
símbolo do conhecimento antigo, aprimorado com tempo e estudo, com o
objetivo de manter a força feminina. Com mais de 30 anos de profissão, o
trabalho dessa enfermeira é marcado pela luta por partos mais humanizados e
o retorno à época em que se nascia em casa, com a presença de uma parteira e
de algumas outras mulheres que já haviam passado pela experiência de parir.

Maria Clara é obstetriz, uma espécie de "parteira da atualidade". Com curso
superior em enfermagem e habilitação em obstetrícia, profissionais como ela
se dedicam à tarefa de afastar dos hospitais as mulheres em trabalho de
parto, oferecer conforto, amenizar a dor e possibilitar que a chegada de uma
nova vida ao mundo seja uma experiência da qual a mulher é a protagonista.
"Uma cesariana não tem a mesma força que arrepia a gente. É um ato em que a
mulher não sente, se torna passiva diante da ação de um médico. Gravidez não
é doença para ser assunto de hospital", defende. Mãe de dois filhos, Maria
Clara ajuda a promover uma experiência pela qual não pôde passar: suas
gestações foram de risco, motivo que a obrigou à cesárea.

Depois de uma carreira em que realizou uma série de partos domiciliares,
Maria Clara se dedica à formação de novos profissionais. Ela é professora no
curso de enfermagem na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas
(Unicamp). Na
defesa do parto em casa, a obstetriz também ajuda a diminuir um dos índices
mais alarmantes da saúde no Brasil: a quantidade de cesáreas realizadas
todos os anos representa 90% do número total de partos feitos no País,
quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica como ideal entre 15% e
20%. Sem o interesse de substituir o médico e com a consciência de que, em
casos com complicações, a única saída é apelar para o bisturi, a obstetriz
acompanha os exames feitos pelos médicos e a gravidez desde o início. "A
verdadeira preparação para o parto deve mostrar à mulher que ela é capaz e
afastar dela o medo da dor e do sofrimento, causa de tanta gente não viver a
experiência de dar à luz naturalmente."

*Experiência*

A médica neonatologista Ana Paula Caldas Machado tem três filhos. Na
primeira gestação, há sete anos, ela tentou ter um parto natural num
hospital, mas teve complicações e foi preciso recorrer à cesárea. "Me senti
frustrada e resolvi pesquisar outras formas de entender o parto. De início,
achei que essa história de ter filhos em casa era maluquice, mas resolvi
tentar. Geralmente, os médicos têm pressa e induzem à cesárea, alegando
riscos e desculpas como pouco líquido, bacia pequena, falta de dilatação.
Hoje, sei que não existe mulher que não dilata, há falta de paciência",
enfatiza. Ao engravidar pela segunda vez, Ana Paula contratou uma obstetriz
de São Paulo, Vilma Nischi, para ser a responsável por ajudá-la a trazer ao
mundo a garotinha Lis, hoje com 3 anos.

"Quando submetida à cesárea, a mulher fica completamente dissociada do que
está acontecendo. Você não sente nada. No parto natural, principalmente se
for em casa, a mãe é a dona da situação. Quando ela consegue transpor o
limite da dor, se sente poderosa e realizada como mulher." Se estivesse num
hospital, Ana Paula tem a certeza de que os médicos teriam optado pela
cesariana. Foram quase 30 horas de trabalho de parto, sempre com Vilma ao
seu lado. Para amenizar a dor, entraram as estratégias das obstetrizes e das
doulas, acompanhantes das parturientes (palavra que substitui a tradicional
"paciente", usada por boa parte dos médicos).

"A mulher muda de posição, toma banhos, recebe massagens. Nossa função é
respeitar a intimidade e monitorar se ela ou o bebê correm algum risco e, se
for o caso, correr para o hospital", explica Vilma, que já realizou 128
partos domiciliares desde 2002, a maioria em mulheres com curso superior e
de classe média-alta. Paulistana, ela atua na Capital, em Campinas
e em
Sorocaba.O
custo desse tipo de parto fica em torno de R$ 3 mil, valor próximo ao
cobrado por médicos para uma cesárea, sem as despesas de hospital.

Há dois meses, quando Raul, seu terceiro filho, nasceu, Ana Paula repetiu a
experiência e estava com o bebê nos braços depois de três horas. "O
pós-operatório da cesárea também é muito pior. A mulher precisa cuidar da
cirurgia e do recém-nascido."

*Dor*

Na Holanda, campeã dos partos domiciliares, 35% dos bebês nascem em casa e a
taxa de cesárea é menor que 10%. Por lá, também proliferam os cursos de
preparação para o parto natural, que têm o objetivo de mostrar à mulher que
este é um processo mais doloroso, mas compensador. "Nos hospitais, a mãe não
está num lugar propício para um momento tão íntimo. Há uma profusão de
luzes, corre-corre, ela fica ao lado de outras mulheres que não conhece.
Médicos e enfermeiros a estimulam a fazer força, sem respeitar o tempo e o
desejo", ressalta Maria Clara, que também defende o uso mais racional da
anestesia peridural. "Mais do que tirar a dor, é uma forma de roubar da
mulher a experiência completa de virar mãe. Ela faz força simplesmente
porque lhe pedem, sem sentir nada."

Como mãe e médica, Ana Paula também ressalta que, para o bebê, há muito mais
vantagens num parto natural. "A passagem pela vagina faz com que o
recém-nascido se comprima e isso retira toda a secreção que existir no
pulmão. O risco de infecções também é mínimo. Na cesárea, além de não
escolher em que hora vai nascer, a criança tem 30 segundos para se adaptar
ao novo jeito de respirar fora do útero."

Antes de dar à luz em casa, Maria Clara explica que é necessário uma
avaliação das condições da mulher e do bebê. "Se a parturiente já tiver
feito duas cesáreas, o parto natural não é indicado, pois o útero está mais
frágil e pode romper com a força que ela fará. O tamanho do bebê e da bacia
da mãe também precisam ser verificados, assim como a possibilidade de um
encaminhamento imediato para um hospital no caso de complicações."

*Doula ajuda as mulheres a superarem dor e dúvida*

Uma mulher para servir. Esse é o significado original, no grego, para a
palavra doula, profissão da uruguaia Lucía Caldeyro, há 35 anos no Brasil.
Ela é como as antigas acompanhantes das mulheres que tinham os filhos em
casa no tempo das parteiras sem formação universitária. No vocabulário
dessas novas profissionais, servir é o mesmo que orientar o casal sobre o
que esperar do parto, ajudar a mulher a encontrar a melhor posição para dar
à luz e sugerir estratégias naturais, como banhos, massagens e relaxamentos
que aliviem a dor. A função surgiu nos Estados Unidos, depois de uma
pesquisa na década de 70 que provou que partos com acompanhantes eram mais
rápidos e fáceis.

Com 26 anos de profissão, Lucía começou como voluntária no Centro de Apoio à
Saúde Integral da Mulher (Caism), da Unicamp, num grupo de parto
alternativo. "O trabalho da doula começa junto com a gravidez. Mesmo depois
que o bebê nasce, ela visita a família, transmite informações sobre
amamentação e tira dúvidas da mãe, principalmente daquelas que têm o
primeiro filho."

Entre os instrumentos que ela leva aos partos que acompanha, estão bolas
utilizadas por fisioterapeutas e bambolês. "O parto é algo natural como a
digestão. Por isso, ninguém precisa ensiná-lo à mulher. Mas há fatores que
atrapalham. Nossa função é auxiliá-la a ter um parto tranqüilo e seguro." Na
América do Norte, já existem cerca de 12 mil doulas. No Brasil, não há
estimativas do número dessas profissionais.

Lucía teve quatro filhos, todos naturalmente. No último, ficou apenas 15
minutos com contrações. "Resolvi ser doula para ajudar mulheres a ter
experiências tão boas como as minhas, desde a primeira gestação." O alívio
da dor, conseguido por meio de mudança de posição, tem uma justificativa na
anatomia. Segundo a obstetriz Maria Clara Amaral, na posição ginecológica,
em que a maioria dos partos é feita, a mulher sente maior desconforto porque
uma veia chamada cava, localizada entre o útero e a coluna, é comprimida
pelo peso do bebê. "Além disso, a mulher se sente muito vulnerável nesse
posição. Ela deve escolher como quer ter o filho."

Fonte: Cosmo

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Tricia Cavalcante: Doula na Tradição, formada pela ONG Cais do Parto, mãe de três, e doula pós-parto.Moro em Fortaleza-CE.


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