A Qualidade Humana da Parteira
escrito por: Tricia em terça-feira, outubro 10, 2006 às 4:26 PM.
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Simpósios Internacionais Humanização da Assistência à Mulher e à Criança: Construindo vínculos II
Construção do vínculo familiar no parto e nascimento
Puc/SP Teatro TUCA
4 de novembro de 2004
Palestra proferida por Naoli Vinaver Lopes*
Trabalho como parteira há 17 anos e, quando penso em vínculo e relações humanas, penso no parto em casa, pois o vínculo da parteira com a mulher e a família é muito grande. O que significa acompanhar outro ser humano na experiência profunda de trazer ao mundo uma nova vida?
Desde pequena, me sentia fascinada com as grávidas. Via nelas a promessa do futuro. Minha paixão foi aumentando com os anos. Cresci numa fazenda, assistindo ao nascimento de todos os animais e pessoas que viviam lá. Para mim era uma honra estar presente nesse momento. A raiz de meu trabalho de parteira se encontra nessas vivências da infância. Sem este histórico não teria tanta experiência.
Tive três filhos em casa. Vivi de forma instintiva o parto, celebrando um momento íntimo e prazeroso com pessoas amigas e sintonizadas comigo. O nascimento de minha terceira filha foi gravado num vídeo. Quis ter uma parteira presente, mas queria que ela mantivesse uma certa distância o tempo todo. Sua presença me servia para que eu não precisasse me preocupar com alguns aspectos práticos e técnicos do parto.
Não tenho uma formação específica como parteira e não tenho rotinas. Minha metáfora favorita para descrever minha função de parteira é a da água. A parteira deve ser como a água que assume a forma do jarro que a contém. Ela deve saber-se adaptar às necessidades da mulher, o que implica saber amar a ela e a sua família. Uma parteira precisa saber dar o que lhe é pedido, nem mais, nem menos. Ser parteira é uma arte, uma dança, um ritmo que se aprende. É muito importante ter a capacidade e o conhecimento clínico, saber resolver problemas para não ir ao hospital, por exemplo. É preciso ter serenidade e atitudes rápidas em muitas situações. Porém, penso que este é só um aspecto. Quero focar hoje na questão da qualidade humana – uma coisa que não se aprende na escola.
Para as mulheres que atendem nos hospitais é importante aprender a estabelecer um vínculo com as parturientes. Estou falando da habilidade de amar, de observar algo similar na outra pessoa, que permite nos identificarmos. Trata-se de dar e receber. Todos sabemos que quem atende partos está recebendo muito mais do que está dando. Devemos dar minimamente algo em troca: o reconhecimento e o carinho por esta mulher que está se abrindo por completo em nossa presença, abrindo-se de corpo e alma. É um momento de completa vulnerabilidade.
Quando eu tinha quatro anos minha gata pariu. Uma note acordei sentindo algo molhado em minhas costas, apalpei, tentei entender o que era... E descobri que minha gata havia escolhido minha cama e a minha presença para dar à luz seus filhotes!
Não há nada mais comovedor, mais grandioso na vida de uma mulher do que o momento do parto. O parto é uma experiência comum, mas não ordinária.
Atender um parto é uma oportunidade de amar aquela mulher, de ajudá-la a abrir-se. É uma experiência humana que enriquece. Tanto a mulher como a parteira não serão as mesmas após a experiência; precisamos portanto estar abertas à comoção, prontos para dar o melhor de nós. Nos relacionamentos e nos vínculos não se pode ter uma boa relação se uma das partes dá muito mais do que a outra: há desequilíbrio. Isso acontece tanto na relação médico-paciente quanto naquela mãe-filho, sem falar do vínculo emocional com outras pessoas.
Ao crescermos, vamos tomando consciência daquilo que é único e especial em cada um de nós. Quando eu era pequena sentia a maior gratidão vendo que meus pais souberam receber o rio forte e intenso de amor que eu tinha para dar. Assim, é preciso saber amar as parturientes. O vínculo entre a parteira e a mulher serve também para dar suporte ao vínculo que vai se estabelecer entre a mãe e o filho.
Por outro lado, é importante observar as relações da parteira com sua família. Como está sua vida? Cada um de nós deve saber fazer sua parte que consiste também em saber “limpar” seu espaço, suas relações, sua vida, sua pessoa.
Não estamos num mundo ideal, não podemos ter um parto ideal, mas podemos ter um parto muito lindo. Devemos sempre observar o que está acontecendo. Por exemplo, tive uma experiência interessante com uma grávida. Era sua terceira gravidez, que transcorreu tranqüila. Eu já havia acompanhado as primeiras duas que se concluíram com sucesso em dois partos domiciliares. Estava crente de que este terceiro parto seria muito tranqüilo. Na noite do parto, durante o trabalho de parto que progredia intensamente, ela de repente se “congela” e me diz: “Naoli, não quero mais dor! Levá-me para o hospital!” O que estava acontecendo? Por que agora o medo e o terror?
Comecei a falar com ela de uma forma diferente, ao mesmo tempo que lhe assegurava que iríamos ao hospital. Mas antes, talvez, ela tivesse algo a dizer, talvez precisasse abrir o peito e falar alguma coisa. Foi então que ela, apontando para o marido, que estava assustado e acuado, disse: “Estou muito chateada com ele!” Descobri que ele não tinha feito a vasectomia, conforme os dois haviam combinado, por isso ela engravidou, uma gravidez não desejada. Estava com projetos pessoais e profissionais que tinha ido água abaixo. Havia então passado a gravidez inteira remoendo seu mal-estar e agora estava com medo de que isso pudesse ter provocado malformações no neném! A convidei a ir debaixo do chuveiro um pouco e mandei o marido entrar com ela no banheiro, fechei a porta e deixei os dois lá sozinhos. Ouvi que ela gritava e falava tudo o que estava engasgado. Ele precisava ouvir. Dali a pouco, ela me chama. Vejo em seus olhos que a hora tinha chegado, ela aponta para o lugar que havíamos preparado para que ela desse à luz, a ajudei a ir até lá... e rapidamente o neném nasceu! Hoje o casal está bem, tem três lindos filhos e ele fez vasectomia!
* Parteira mexicana, conferencista internacional.
Redação por Adriana Tanese Nogueira.
FONTE: ONG Amigas do Parto
Construção do vínculo familiar no parto e nascimento
Puc/SP Teatro TUCA
4 de novembro de 2004
Palestra proferida por Naoli Vinaver Lopes*
Trabalho como parteira há 17 anos e, quando penso em vínculo e relações humanas, penso no parto em casa, pois o vínculo da parteira com a mulher e a família é muito grande. O que significa acompanhar outro ser humano na experiência profunda de trazer ao mundo uma nova vida?
Desde pequena, me sentia fascinada com as grávidas. Via nelas a promessa do futuro. Minha paixão foi aumentando com os anos. Cresci numa fazenda, assistindo ao nascimento de todos os animais e pessoas que viviam lá. Para mim era uma honra estar presente nesse momento. A raiz de meu trabalho de parteira se encontra nessas vivências da infância. Sem este histórico não teria tanta experiência.
Tive três filhos em casa. Vivi de forma instintiva o parto, celebrando um momento íntimo e prazeroso com pessoas amigas e sintonizadas comigo. O nascimento de minha terceira filha foi gravado num vídeo. Quis ter uma parteira presente, mas queria que ela mantivesse uma certa distância o tempo todo. Sua presença me servia para que eu não precisasse me preocupar com alguns aspectos práticos e técnicos do parto.
Não tenho uma formação específica como parteira e não tenho rotinas. Minha metáfora favorita para descrever minha função de parteira é a da água. A parteira deve ser como a água que assume a forma do jarro que a contém. Ela deve saber-se adaptar às necessidades da mulher, o que implica saber amar a ela e a sua família. Uma parteira precisa saber dar o que lhe é pedido, nem mais, nem menos. Ser parteira é uma arte, uma dança, um ritmo que se aprende. É muito importante ter a capacidade e o conhecimento clínico, saber resolver problemas para não ir ao hospital, por exemplo. É preciso ter serenidade e atitudes rápidas em muitas situações. Porém, penso que este é só um aspecto. Quero focar hoje na questão da qualidade humana – uma coisa que não se aprende na escola.
Para as mulheres que atendem nos hospitais é importante aprender a estabelecer um vínculo com as parturientes. Estou falando da habilidade de amar, de observar algo similar na outra pessoa, que permite nos identificarmos. Trata-se de dar e receber. Todos sabemos que quem atende partos está recebendo muito mais do que está dando. Devemos dar minimamente algo em troca: o reconhecimento e o carinho por esta mulher que está se abrindo por completo em nossa presença, abrindo-se de corpo e alma. É um momento de completa vulnerabilidade.
Quando eu tinha quatro anos minha gata pariu. Uma note acordei sentindo algo molhado em minhas costas, apalpei, tentei entender o que era... E descobri que minha gata havia escolhido minha cama e a minha presença para dar à luz seus filhotes!
Não há nada mais comovedor, mais grandioso na vida de uma mulher do que o momento do parto. O parto é uma experiência comum, mas não ordinária.
Atender um parto é uma oportunidade de amar aquela mulher, de ajudá-la a abrir-se. É uma experiência humana que enriquece. Tanto a mulher como a parteira não serão as mesmas após a experiência; precisamos portanto estar abertas à comoção, prontos para dar o melhor de nós. Nos relacionamentos e nos vínculos não se pode ter uma boa relação se uma das partes dá muito mais do que a outra: há desequilíbrio. Isso acontece tanto na relação médico-paciente quanto naquela mãe-filho, sem falar do vínculo emocional com outras pessoas.
Ao crescermos, vamos tomando consciência daquilo que é único e especial em cada um de nós. Quando eu era pequena sentia a maior gratidão vendo que meus pais souberam receber o rio forte e intenso de amor que eu tinha para dar. Assim, é preciso saber amar as parturientes. O vínculo entre a parteira e a mulher serve também para dar suporte ao vínculo que vai se estabelecer entre a mãe e o filho.
Por outro lado, é importante observar as relações da parteira com sua família. Como está sua vida? Cada um de nós deve saber fazer sua parte que consiste também em saber “limpar” seu espaço, suas relações, sua vida, sua pessoa.
Não estamos num mundo ideal, não podemos ter um parto ideal, mas podemos ter um parto muito lindo. Devemos sempre observar o que está acontecendo. Por exemplo, tive uma experiência interessante com uma grávida. Era sua terceira gravidez, que transcorreu tranqüila. Eu já havia acompanhado as primeiras duas que se concluíram com sucesso em dois partos domiciliares. Estava crente de que este terceiro parto seria muito tranqüilo. Na noite do parto, durante o trabalho de parto que progredia intensamente, ela de repente se “congela” e me diz: “Naoli, não quero mais dor! Levá-me para o hospital!” O que estava acontecendo? Por que agora o medo e o terror?
Comecei a falar com ela de uma forma diferente, ao mesmo tempo que lhe assegurava que iríamos ao hospital. Mas antes, talvez, ela tivesse algo a dizer, talvez precisasse abrir o peito e falar alguma coisa. Foi então que ela, apontando para o marido, que estava assustado e acuado, disse: “Estou muito chateada com ele!” Descobri que ele não tinha feito a vasectomia, conforme os dois haviam combinado, por isso ela engravidou, uma gravidez não desejada. Estava com projetos pessoais e profissionais que tinha ido água abaixo. Havia então passado a gravidez inteira remoendo seu mal-estar e agora estava com medo de que isso pudesse ter provocado malformações no neném! A convidei a ir debaixo do chuveiro um pouco e mandei o marido entrar com ela no banheiro, fechei a porta e deixei os dois lá sozinhos. Ouvi que ela gritava e falava tudo o que estava engasgado. Ele precisava ouvir. Dali a pouco, ela me chama. Vejo em seus olhos que a hora tinha chegado, ela aponta para o lugar que havíamos preparado para que ela desse à luz, a ajudei a ir até lá... e rapidamente o neném nasceu! Hoje o casal está bem, tem três lindos filhos e ele fez vasectomia!
* Parteira mexicana, conferencista internacional.
Redação por Adriana Tanese Nogueira.
FONTE: ONG Amigas do Parto
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