No Brasil são feitos, aproximadamente, 2,6 milhões de partos anuais. Desse total, 24% são cirúrgicos. O estado recordista é Mato Grosso, com 40,46% de cesáreas.
Para coibir o alto índice de cesarianas no país, o Ministério da Saúde lançou, em 1998, uma portaria que determina controle rigoroso sobre o pagamento de no máximo 40% de cesarianas sobre o total de partos realizados pelo SUS. A medida, segundo dados da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direito Reprodutivo, conseguiu reduzir para 30% o número de cesáreas realizadas este ano na rede pública.
As parteiras são responsáveis por 450 mil partos todos os anos. São 45 mil mulheres só nas regiões Norte e Nordeste. Destas, seis mil estão organizadas em rede.
O Brasil ainda apresenta um coeficiente próximo de 110 mortes maternas por cem mil nascidos vivos. Elas correspondem a 6% dos óbitos de mulheres com idade entre 10 e 49 anos.
Elas são chamadas de comadres, madrinhas, mãezinhas. Percorrem longas distâncias no interior da floresta com os pés descalços. Às vezes, precisam atravessar os rios a nado, ou cortam caminho para chegar mais rápido ao seu destino. A pressa tem uma justificativa nobre: o nascimento de uma criança depende delas.
As parteiras da floresta também fazem a diferença nas estatísticas do Ministério da Saúde. Num país em que sete mulheres morrem a cada 10 mil partos feitos por cesariana, elas contribuem para um dado menos assustador: o número de óbitos cai para dois a cada 10 mil partos normais.
Isso não significa, porém, que as 60 mil parteiras do Brasil (sendo 45 mil do Norte e Nordeste) trabalham em condições adeqüadas. A luta pelo parto humanizado encontra resistência em algumas camadas sociais, e na maioria dos estados é comum que os direitos trabalhistas lhes sejam negados. O Sistema Único de Saúde (SUS) paga R$ 54,80 por parto domiciliar, mas nem todas as parteiras recebem o benefício.
Segundo informações da Secretaria de Saúde do Acre, no ano passado, aproximadamente 80% dos partos foram normais. Aqui há mais de 400 parteiras exercendo papel importante na hora do nascimento de crianças na zona rural e urbana. Desse total, menos de cem trabalham nas cidades.
Na Reserva Extrativista do Alto Juruá, distante duas horas de barco do município de Marechal Thaumaturgo, as 78 "pegadoras de menino" são um consolo na hora do nascimento. "Aqui o médico é Deus e abaixo de Deus, nós", diz a extrovertida Maria Zenaide de Souza, a Zena.
Dos quase cinco mil habitantes da Reserva, 47% são mulheres. É comum que elas engravidem muito jovens. Zena, porém, nunca teve filhos naturais, e a ironia do destino lhe arranca lágrimas dos olhos. Ela é uma das oito parteiras mais experientes da Reserva, aquelas que repassam seus conhecimentos a outras parteiras das comunidades e das aldeias dos índios Ashaninka, Kaxinawá e Arara.
Atendimento de saúde no meio da floresta
Mãe de quatro filhos adotivos, Zena coloca a fé acima da habilidade. Todas as vezes que vai fazer um parto, reza uma Salve-Rainha. Se errar a oração, é sinal de que vai precisar ter mais cuidado na hora de "aparar a criança".
O percurso até a casa da parturiente, que pode demorar horas ou até dias, é outro desafio a ser enfrentado. Quando Zena foi chamada pelo compadre Manoel para fazer o parto de seu segundo filho, já eram 11 horas da noite, estava chuviscando e seria preciso caminhar por duas horas. Como não tinha canoa, o jeito foi atravessar o rio Tejo nadando.
No meio do caminho, a surpresa nada agradável: uma cobra pico-de-jaca. Eles correram e no desespero Zena tropeçou, caiu e derrubou a poronga - uma espécie de lanterna colocada na cabeça. "Foi minha salvação, pois a cobra sumiu na escuridão e segui o meu caminho", conta Zena. "O parto também não teve complicações".
Mas é a pobreza o maior desafio de quem vai dar à luz na floresta. Zena conta que certa vez foi fazer o parto de uma mulher que não possuía uma única peça do enxoval da criança prestes a nascer. Então, a parteira rasgou um mosquiteiro e com os pedaços improvisou os cueiros e uma blusinha para o recém-nascido.
Na floresta, a natureza é forte aliada de quem precisa de cuidados. A banha de porco e o óleo de coco são usados para fazer "esfreguição" na barriga da gestante. Para ajudar a contrair o útero, a parteira ensina: "É só pedir que ela sente num bacio com água, onde se colocam três galhos de mastruz e três gotas de álcool. Pra dar força, um caldo com pimenta do reino e alho é suficiente".
Os homens, segundo Zena, estão participando mais do nascimento das crianças. "Antigamente eles iam buscar a gente e só voltavam pra casa quando sabiam que a criança tinha nascido", diz ela.
Pouco antes de se consumar o milagre da vida, a parteira põe o nenê na posição certa, empurrando-o na barriga da mãe, que é banhada com água morna para aumentar as contrações e relaxar o útero. A parturiente também toma 15 gotas de sumo de algodão roxo para evitar hemorragia. Após o parto, são dadas as seguintes orientações: "Pentear os seios para vir muito leite, tomar chá da casca da copaíba e fazer cozimento da casca de cajá pra não dar infecção e desinflamar mais rápido", lembra Zena.
As parteiras da floresta são unânimes em afirmar as vantagens de um parto normal, humanizado, e destacam a rápida recuperação da mãe, que conseqüentemente poderá cuidar melhor da criança e melhorar o aleitamento materno.
Pré-natal na floresta
Em plena floresta amazônica as mulheres grávidas já podem fazer o pré-natal. Pelo menos na Reserva Extrativista do Alto Juruá, onde acontece o programa 'Maria Esperança", desenvolvido há quatro anos pela Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá - Asareaj.
O programa conta com oficinas de capacitação que possibilitam a troca de experiências entre as parteiras e o resgate da sabedoria popular. Outro objetivo é cadastrar as parteiras no Sistema Único de Saúde, o SUS, para que elas possam receber o pagamento pelos partos feitos e o material necessário para realizá-los. Em julho deste ano, 200 mulheres da reserva foram atendidas com exames de câncer de colo do útero, colhidos na própria comunidade e enviados ao Centro de Oncologia do Acre.
Nas reuniões as parteiras recebem cartilhas ilustrativas, com figuras que facilitam a compreensão da maioria, analfabeta. O trabalho de pré-natal na floresta tem salvado vidas e diminuído os casos de tétano.
No Alto Juruá as parteiras trocam experiências com a ajuda do programa "Maria Esperança"
"Quando o menino não está na posição ou tem um outro problema, a gente manda a gestante pra Marechal Taumaturgo e de lá ela pega um avião pra Cruzeiro do Sul", garante Zena.
O "Maria Esperança" tem como parceiras algumas organizações não-governamentais e apoio financeiro da Fundação MacArthur, dos Estados Unidos. O programa se tornou referência internacional e foi divulgado pela ONU como um trabalho que vem dando certo.
As parteiras do Alto Juruá querem criar uma associação de parteiras tradicionais da floresta na Reserva Extrativista, mas por falta de apoio o projeto não foi adiante. A coordenadora pedagógica do programa, Concita Maia, acredita na parceria com o governo do Estado para consolidar a associação.
Recorde
Maria Martins, a Maroca, de 54 anos, é uma das recordistas de partos no Acre. São mais de 500, sendo que alguns foram feitos no Seringal Jurupaú, localizado próximo ao município de Feijó. Mas a maior parte foi feita na Vila Albert Sampaio, a 12 km de Rio Branco pela BR-364, onde mora há 11 anos.
Maroca iniciou sua profissão de parteira com o segundo filho de sua irmã. Ela tinha 15 anos, morava no seringal e ouvia as mulheres da comunidade falarem sobre o assunto. Foi uma vida de muito trabalho, sono perdido, caminhadas na mata e doações em dinheiro do próprio bolso para ajudar quem precisava mais do que ela. Há três anos, porém, Maroca deixou de "aparar menino" porque está cansada e enfrenta problemas de saúde.
Quando veio de Feijó para Rio Branco, casou e teve cinco filhos, adotou dois e se tornou a parteira mais conhecida e solicitada da vila. Até em boléia de caminhão ela ajudou no nascimento de uma criança. "A gente estava indo pra maternidade, porque eu tinha percebido que algo estava errado, mas não deu tempo de chegar lá. Ainda bem que sou prevenida e tinha levado o material de parto", recorda Maroca.
Ela estudou até a segunda série, mas sempre quis saber mais sobre seu trabalho. Por isso conversava com médicos para tirar dúvidas e acredita ter um dom especial, o de "aparar criança".
Esse mesmo "dom" faz parte da vida de outras mulheres que não estão na floresta, mas nos hospitais. Enedina de Oliveira é uma delas. Dedicou 17 dos seus 53 anos à profissão de parteira hospitalar no município de Plácido de Castro, a 100 km de Rio Branco.
Enedina começou fazendo cursos de primeiros socorros e parteira. Assistida por um médico, realizou os primeiros partos e já perdeu a conta de quantas crianças ajudou a nascer. "Tinha dia em que fazia quatro, cinco ou até seis partos", garante.
Durante os partos, Enedina tem mania de cantar porque isso, segundo ela, acalma a paciente. "A mulher, quando está grávida, é muito sensível e na hora do parto fica ainda mais", ensina.
A médica Solange da Cruz Chaves, da assessoria técnica da Secretaria de Saúde, concorda com o procedimento de Enedina. Solange acrescenta que a humanização do parto requer o uso das técnicas para melhorar a saúde da mãe e da criança, tratando-as com cidadania. Segundo ela, as parteiras da floresta nem sempre dispõem desses recursos. Ainda assim, exercem papel importantíssimo para um parto humanizado.
Fonte: Governo do Estado do Acre
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Ola Tricia,
tudo bem? Parabéns pelo post "Parir é nascer". No meu blog "www.aeducadora.blogspot.com" também há espaço para essa questão. Me incomoda muito saber da extinção dos cursos de parteiras no Brasil e de como o discurso do governo em relação à atuação das parteiras muda em relação ao local de atuação das mesmas. É como se a mulher da floresta pudesse contar com uma parteira, mas a mulher da cidade nem sempre tem essa opção: que para mim é tão legítima como a idéia de parir com um médico. Espero a sua visita no meu blog!