Parto humanizado é direito da mulher


escrito por: Tricia em quinta-feira, outubro 26, 2006 às 4:51 PM.


por: Leandra Rajczuk

Quem passa pela rua Jorge da Silva Luz, travessa da avenida do Oratório, no bairro de Sapopemba, zona leste da cidade, não imagina que ali existe um ambiente criado para que os bebês possam nascer mais tranqüilos e felizes. Esse lugar é a Casa de Parto, uma iniciativa do Projeto Qualis (Qualidade Integral em Saúde) da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, que integra o Programa Saúde da Família (PSF) do Ministério da Saúde e tem apoio do Instituto do Coração e da Fundação Zerbini (leia texto abaixo). A região, que tem cerca de 300 mil habitantes, foi escolhida para sediar a casa porque não possui nenhum leito de maternidade.

Inaugurada em 18 de setembro do ano passado, é a primeira e únida casa de parto do País onde é desenvolvido um trabalho de atendimento público e contínuo com plantões de 24 horas durante todos os dias da semana. "Muitas mulheres grávidas não tinham onde dar a luz e se queixavam da peregrinação a que eram submetidas em busca de uma vaga", afirma Ruth Osava, diretora da casa. "A partir daí surgiu a idéia de se criar a casa, que é um local sem características hospitalares dedicado ao contato mais próximo com a gestante antes, durante e após o parto."

É uma casa simples com folhagens desenhadas nas paredes, canteiros com flores e espaços que revelam um clima harmonioso. Um aquário com peixes ornamentais, próximo à entrada, tornam o ambiente ainda mais agradável e familiar. Para lá são encaminhadas gestantes do PSF/Qualis em condições clínicas de realizar o parto de forma normal, assistido pelas parteiras e sempre acompanhadas por um familiar que a própria gestante escolhe durante o pré-natal. "As mulheres triadas por médicos e enfermeiras de família passam por nova avaliação de risco na casa", explica Ruth. "Realizado o parto, o pai ou o acompanhante corta o cordão umbilical."

A equipe da casa é composta por enfermeira obstétrica ou parteira, que é a diretora técnica responsável, além de auxiliar de enfermagem, auxiliar de serviços gerais e motorista. Não há médicos no estabelecimento, mas existem obstetras e pediatras, designados pelo PSF para participar do treinamento específico da equipe da Casa de Parto para as situações de risco e de emergência. A capacitação das parteiras deve ser realizada através de aulas teóricas e práticas. "Temos uma sala devidamente equipada para proceder a ressuscitação dos recém-nascidos que precisarem de procedimentos mais avançados como, por exemplo, uma massagem cardíaca externa", enfatiza a diretora. "Apesar da suposta simplicidade do parto humanizado que realizamos, tanto a gestante como o bebê devem ser atendidos de forma eficiente."
A mulher é acompanhada desde o final de sua gestação, e admitida quando em trabalho de parto. Ela permanece no local entre 6 e 12 horas após o nascimento do bebê e recebe refeições preparadas de acordo com sua preferência. Após retornar ao domicílio, a mãe recebe também a visita da enfermeira ou médico de família. No dia 26 de março, às 11h40 da manhã nasceu Josué Ferreira da Silva, o primeiro filho do casal de evangélicos Josias e Helena, moradores da região. "Essa iniciativa é importante porque auxilia principalmente famílias carentes que não podem pagar um convênio particular", afirma Josias. "O trabalho feito pelas funcionárias é excelente e minha esposa recebeu muita atenção, reagindo com mais segurança frente ao parto. Isso me faz sentir tranqüilo como pai." Desde sua inauguração, a casa já realizou mais de 120 partos e, hoje, faz em média 30 por mês.

Elaboraçãode propostas

O Brasil é um dos campeões mundiais em número de cesarianas. Aproximadamente 35% dos partos realizados no Brasil são cirúrgicos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que no máximo 15% teriam justificativa para a operação. Segundo a professora Maria Luiza Riesco, do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Escola de Enfermagem da USP, em São Paulo praticamente todos os partos ocorrem em hospitais e essa experiência nem sempre é positiva para todas as mulheres e também para as práticas assistenciais necessárias nessas situações. "Atualmente, o parto é muito medicalizado com várias intervenções e pouco espaço para a atuação da enfermeira obstétrica", diz. "Portanto, a casa de parto vem como uma opção de assistência mais humanizada para a mulher, pois possibilita, entre outras vantagens, a participação dos familiares."

A professora explica que cerca de 80% das gestações são de baixo risco, sendo importante ter a Casa de Parto como alternativa de um modelo assistencial diferenciado e de qualidade. "A casa ainda não é regulamentada como Estabelecimento Assistencial de Saúde (EAS) porque não se trata de um serviço de pronto atendimento, nem uma unidade de internação hospitalar ou ainda um serviço ambulatorial", argumenta Maria Luiza. "Para debater a questão, promovemos um workshop em março com a participação de especialistas da área que apresentaram propostas para a elaboração de um documento que está sendo produzido."

Nesse sentido, foi organizado o evento Missão Técnica São Paulo — 99, entre os dias 13, 14 e 15 de maio, na Faculdade de Saúde Pública da USP, com o objetivo de estruturar propostas para implantação de casas de parto em outras cidades brasileiras. No dia 14 foi a vez do professor Maresden Wagner, assessor e ex-chefe da Saúde da Mulher e da Criança da OMS, considerado o grande estimulador do parto normal e humanizado. Em sua palestra, o especialista procurou abordar temas como a progressiva hospitalização da assistência ao parto, a incorporação crescente da tecnologia e a elevação das taxas de cesariana que produziram um impacto negativo sobre as oportunidades de capacitação e atuação de enfermeiras obstétricas no parto.
Para o professor, a população precisa ser informada sobre a verdade da cesariana que aumenta em até oito vezes a possibilidade de morte materna e é responsável pelo desenvolvimento de infecções em até 20% das mulheres que se submeteram a essa cirurgia. "A Suécia é o país com a menor taxa de mortalidade infantil e materna do mundo, pois 90% dos partos acontecem sem a presença do médico", avisa. "O modelo de assistência mais moderna e eficiente que existe é a casa de parto, porque oferece maior segurança e menor custo."

De acordo com Ruth Osava, há apenas 40 anos a parteira saiu de cena da cidade de São Paulo. "Em 1956, 80% dos partos aconteciam nos próprios domicílios", conta. "Hoje, temos hospitais que realizam até mil partos por mês, ou seja, é um local que parece ter sido planejado para que os partos normais não ocorram. É preciso voltar a acompanhar o ritmo de um parto natural como fazemos aqui na Casa de Parto, oferecendo uma assistência mais digna e segura ao nascimento e parto das mulheres."
Segundo a diretora, as mulheres precisam saber que não existe uma data provável de parto, mas um período. "No Japão, 10% das mulheres dão à luz nas casas de parto e esse índice vem aumentando cada vez mais", ressalta. "Ao invés de saber quando a gestante terá o bebê, penso que a conversa no futuro será essa: Onde você vai dar a luz?"

Soluções comunitárias

A procura por tratamentos de saúde complementares à medicina tradicional é uma tendência crescente em todo o mundo. Em São Paulo, essa iniciativa é denominada Qualis — Qualidade Integral em Saúde. O projeto integra o Programa Saúde da Família (PSF) do Ministério da Saúde e reúne diversos profissionais na capital, além de equipes de saúde da família. Cada uma delas é formada por médico, auxiliar de enfermagem, enfermeira e agentes comunitários. No Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, bairro da zona leste, o Qualis entrou em execução há três anos. Já em Vila Nova Cachoeirinha e Sapopemba, o serviço existe desde fevereiro do ano passado e conta com 12 unidades de atendimento à família.

"Esses grupos de apoio são capazes de resolver 90% dos problemas de saúde da população atendida", afirma o médico David Capistrano da Costa Filho, coordenador do Qualis em Vila Nova Cachoeirinha e Sapopemba. "As famílias cadastradas recebem informações que vão desde como e onde fazer exames pré-natais ou atualizar a carteira de vacinação das crianças, até o encaminhamento de pacientes para cirurgias."

Segundo Capistrano, os agentes comunitários de saúde são escolhidos pela comunidade e treinados por técnicos do Ministério. O programa destina cinco ou seis agentes para cada grupo de mil a 1.250 famílias que as visita pelo menos uma vez por mês para detectar necessidade de tratamento ou internação. "Os agentes residem em sua área de atuação por pelo menos dois anos", ressalta. "A única exigência é que ele tenha um bom realicionamento e saiba ler e escrever para anotar os dados referentes à situação dos moradores."

É dada preferência também aos auxiliares de enfermagem que sejam moradores locais e tenham curso de nível superior. As inscrições são abertas em jornais de grande circulação da cidade e a seleção é feita por uma equipe de recursos humanos do programa. Os médicos de família também fazem cursos de capacitação para trabalhar no sistema. "Como nossas universidades formam apenas especialistas, ainda não temos no Brasil unidades para capacitar essas pessoas", explica.

A cidade de São Paulo conta com distribuição hospitalar muito desigual. Na região da avenida Paulista existem 14 leitos por mil habitantes, mas, no Parque São Lucas, não existe nem um. "Sapopemba foi escolhida para abrigar a Casa de Parto porque ali não há nenhum leito obstétrico", observa o coordenador. "Além disso, realizamos uma pesquisa na Partoral da Criança e constatamos que a gestante precisa percorrer de quatro a cinco maternidades para conseguir ser atendida."

Mas o trabalho não se esgota apenas como um programa de atenção básica para melhorar a qualidade de vida dos menos favorecidos. Uma média de 10% das pessoas necessitam de tratamento especializado, incluindo saúde física e mental como atendimento odontológico e psiquiátrico. De acordo com Capitrano, o índice de aprovação do sistema é de 98%. "Outros bairros também estão motivados pela iniciativa e querem implantar unidades do Qualis em suas localidades", reflete. "Esse é um projeto viável do ponto de vista financeiro, porque nosso custo mensal por pessoa é inferior a R$ 6,00. Gastamos, anualmente, menos de R$ 70,00 com cada paciente."

Publicado em 1999.
fonte: Jornal USP

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2 Respostas a “Parto humanizado é direito da mulher”

  1. # Blogger Alzira

    É sinal que as mulheres estão retomando o seu direito, que lhes foi tirado de parir naturalmente.

    Sou academica de enfermagem do 7 periodo, ja trabalho na saude publica a 17 anos, e o meu objetivo é ser enfermeira obstétra e o melhor trabalhar em um Centro de Parto Normal.

    Gostaria de muito de conhecer esse Centro, seria possivel? tem agendamento de visita?
    muito obrigado

    Alzira Assunção
    Fátima do Sul-MS  

  2. # Anonymous Anônimo

    Olá Alzira, não sou da área de saúde mas sou mãe. Minha filha nasceu na Casa de Parto David Capistrano, anexo da maior maternidade de Belo Horizonte/ MG - Sofia Feldman. Eles são premiados pelo prêmio Galba (Humanização do Tratamento - Ministério da Saúde). Eles são referência no Brasil. Veja o site:
    http://www.sofiafeldman.org.br/atencao-a-mulher/cpn/  

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Tricia Cavalcante: Doula na Tradição, formada pela ONG Cais do Parto, mãe de três, e doula pós-parto.Moro em Fortaleza-CE.


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